terça-feira, 23 de setembro de 2008

MARIA CÉLIA: sua narrativa

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MARIA CÉLIA MARTIRANI é um jovem talento da literatura brasileira e italiana, porque seu livro para que as árvores não tombem de pé foi publicado em edição bilíngüe. É jovem como escritora por ter surgido recentemente, mas é jovem também como pessoa. É escritora que surgiu madura na técnica de narrar textos.Suas narrativas curtas, quer sob o formato de contos, ou de poemas em prosa, ou de outros gêneros, preenchem o vazio que eu sentia no atual panorama da nossa cidade. Eles tanto podem ser dramáticos, líricos, ou sob outras vestimentas, todas elas inovadoras, realizam-se plenos de uma intensidade narrativa alucinante que arrebata o leitor ou o estudioso de boa literatura. Isso a autora consegue pela estrutura, pelo estilo, enfim pela linguagem, que é a sua matéria prima. Assim, Maria Célia Martirani completa-se ao narrar e completa o leitor ao ler os seus textos. Sua literatura cumpre a função de comunicar, a de instruir e a de deleitar e enlevar. São textos de uma grande literatura e de uma grande autora. Para exemplificar a narrativa curta de Maria Célia Martirani, selecionei por critério estritamente pessoal, o texto dessacralização. Mesmo sabendo que o critério pessoal nem sempre seja o melhor pela subjetividade que encerra, penso, porém, que no caso de para que as árvores não tombem de pé todo texto selecionado seria uma ótima escolha.

dessacralização

Despreocupados e livres, caminhavam, matutinos, as calçadas de qualquer domingo. Uma alegria bêbada, não de quem bebeu muito, mas se embriagou demais com a simples presença de um na vida do outro. Que não era simples, mas era o bastante, eles que só assim se bastavam, puros de ar, água e sol... Falavam e riam, em risos falados mansos, fadados que estavam apenas àquela miúda felicidade... Os passos dele largos, os dela curtos, ela que tentava a todo custo o acompanhar... Daí, a igreja... Entraram pela lateral... Entraram só por entrar... Não, não que quisessem assistir missa, melhor a igreja assim vazia, só os dois, só um pouquinho, só agradecer... Que será que agradeciam? A mão dele envolvendo toda a frágil mãozinha dela, ela que de tão pequena, quase nem batia na altura do ombro dele ... Ele, que de tão alto, baixava generoso olhar pra encontrar o dela... Ajoelharam e apenas se deixaram ver por alguma imagem, algum santo, algum anjo voando solto no redondo da alta cúpula-vitral de luz. E foi com essa espécie de sabe-se lá que luz, que de lá logo saíram agora enlaçados, nos novos laços de fita de alguma esperança... Daí, virou o tempo... E eles estavam desprevenidos, desprevenidos que eram. E a garoa fina os apanhou de leve, no início, engrossando aos poucos, as gotas plenas, prenhes de águas de tanto céu... Molharam-se, mas mesmo assim, ele se lembrou de não deixá-la molhar. Tirou o casaco e o colocou na cabeça dela, com um beijo, com a ternura de quem cobre uma criança, um passarinho, uma pétala, um coração... E ela virou, de repente, quase santinha, com aquela espécie de manto-casaco, como se alguma das santas de verdade lá da igreja, cansadas da mesma imóvel e triste pose de sempre, resolvesse num rompante, descer do altar e, de braços dados com um gentil namorado, viesse dançar, na garoa da cidade, uma molhada e humana valsa...

8 comentários:

raquel disse...

Extremamente lírico, sensível!
A autora é curitibana? E, mais importante: qual editora publicou? Os leitores querem saber, pra poder comprar!

Jayme Ferreira Bueno disse...

Oi, Raquel, de fato não constaram as informações solicitadas por você. Vou providenciá-las e postá-las.
Obrigado pela colaboração.

Jayme Ferreira Bueno disse...

Maria Célia Martirani - o nome que emprega em suas publicações - é curitibana, professora de Língua Italiana e possui outras publicações: Recontando, contos, pela EDICON, 1993.
Para que as árvores não tombem de pé - Affinché gli alberi non cadano in piedi, como se observa é uma edição bilingüe, português e italiano, publicado pela Tavessa Editora, 2008.

Maria Célia disse...

Olá,Raquel, muito obrigada por sua apreciação, sobre meu conto!
Na verdade, nasci em São Paulo- SP e estou em Curitiba, desde 1989. A Araucária já criou raízes em mim, bem como - parafraseando Leminsky -"certos dias azuis, em Curitiba, mas tão azuis, que certamente, Helena Kolody acordou cedo e olha por todos nós..."
Meu livro:Para que as árvores não tombem de pé/ Affinché gli alberi non cadano in piedi, acaba de ser publicado pela Travessa dos Editores e estará, em breve, à venda nas livrarias da cidade e, também na Livaria da Vila e Cultura em São Paulo, além de ser vendido pela Internet, no: www.travessadoseditores.com.br

Unknown disse...

Tanto cara sorela Celinha...
Realmente, ler as páginas deste livro-poema, me deixa num estado de gratidão e enlevo, diante de tanta sutileza e sensibilidade, que os "girassois" vivos despertariam numa nova primavera na tela de nossa tragetória...
Abraços com afeto , de marisa

raquel disse...

Olá, Maria Célia. Dei uma espiada inicial no seu livro. A edição está caprichada, e o texto exposto neste blog me impressionou. Desejo uma bela trajetória - aqui e na Itália, se possível. E vou lendo os textos, aos pouquinhos.

Roberta Freire disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Roberta Freire disse...

Impossível não se emocionar com este livro..é de uma sensibilidade...
Parabéns
Roberta Wasem