No Renascimento, como uma grande volta ao classicismo grego-latino, o preceito horaciano retomou sua importância, que continuou a ter uma grande divulgação entre os humanistas e contribuiu para igualar em as duas artes, pintura e poesia. No período do Neoclassicismo, no séc. XVIII, foi retomada a valorização do conceito de Horácio. Havia uma corrente a favor da poesia e outra da pintura. Assim, surgiram poemas descritivos que se pareciam com painéis pintados, principalmente as paisagens bucólicas dos árcades.
O princípio de similaridade entre poesia e pintura volta a ser reafirmado na época do Realismo, principalmente no Parnasianismo. Dessa forma, na literatura portuguesa, Cesário Verde com seus poemas exatos, geométricos, quer os urbanos, quer campesinos, são eles excelentes exemplos da relação entre pintura e poesia.
No Modernismo com suas Vanguardas, as relações entre ambas as artes estreitam-se a ponto de obras ou poemas pretenderem retratar quadros ou situações próprias da pintura, como é o caso dos caligramas, de Apollinaire. Assim outras obras apareceram tentando expor o que seria a fusão da expressão literária com a plástica.
Essa tentativa ressurge ainda com mais força na segunda metade do século XX, com o movimento da Poesia Concreta, iniciada no Brasil em 1950, com o lançamento da revista Noigrandes. Em livro surge com a publicação dos textos críticos e manifestos produzidos por um grupo de poetas entre 1950 e 1960. A obra que os publicou foi Teoria da Poesia Concreta, de Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo Campos. Além deles, o movimento contou com inúmeros outros poetas, que foram paulatinamente agregando-se. Mais tarde, na continuidade do Concretismo aparece o paranaense Paulo Leminski, que publicou em 1964, na revista Invenção, dirigida por Décio Pignatari, em São Paulo, que então se tornara o porta-voz da poesia concreta de São Paulo.
Com o surgimento da crítica fenomenológica por volta dos anos 60, surge uma obra marcante, O Poético, de Mikel Dufrenne. Nesse livro, o autor expõe: “pode-se dizer que uma tela ou um monumento introduzem em nós um estado poético”. Portanto, um quadro pintado ou um monumento erigido em praça pública podem nos levar a usufruir a poesia, porque ela pode estar contida na natureza, nas coisas e nas pessoas. Adiante Dufrenne afirma que, na natureza, a poesia pode estar em uma bela paisagem, num belo pôr do sol; nas coisas, reafirmando, em telas e monumentos; e em pessoas, no olhar da pessoa amada.
Para concluir e afastando-me das teorias, posso afirmar que tudo o que foi indicado por Dufrenne causa-me poesia, em especial a pintura, que foi a base desta explanação. Para exemplificar serão postados na seqüência telas de três pintores consagrados e com quem tive oportunidade de conviver em situação de elevada amizade.
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Euro Brandão, o professor, o homem público, Ministro da Educação, é autor de inúmeras obras sobre universidade, educação e cultura. Na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, foi Reitor por três mandatos. O seu reitorado constituiu um dos períodos em que a PUCPR mais se destacou como grande Universidade. Na função o Reitor Euro Brandão demonstrou capacidade de administrar e de conduzir e de formar pessoas.
Como artista plástico, retratou em quadros e em gravuras a dor e a morte, mas também a esperança e a ressurreição, como exemplo eloqüente de transcendência. Em suas pinturas religiosas, é autor de uma Via Sacra que se encontra na Capela Jesus Mestre da PUCPR.
Euro Brandão era um o profissional altamente especializado e responsável. Como homem religioso, mostrava-se profundamente católico e assim agia em todos os seus atos. Ele pensava a ciência sempre em diálogo com a fé e, assim, também um meio para se atingir um bem supremo, a felicidade do ser humano.
Para iniciar, esta série de três pintores reconhecidos, apresenta-se uma tela de Euro Brandão acompanhada de um texto por ela inspirado:
Euro Brandão
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Terra lavrada
por velhos arados
da minha infância
Depois tantas terras lavradas
por modernas máquinas
Arados e máquinas sulcam a terra
e a terra assim revolta se fecunda
Por que as feridas abertas
em mim
não me tornaram fértil?
2. ESMERALDA
Francisca López Illescas, la pintora española Esmeralda, nació en la Provincia de Granada, en la Lancha de Cenes, hoy Lancha del Genil. Viviendo al pie de Sierra Nevada, su vida giraba en vuelta de aquel paisaje, como lugar de paseos y de ejercitar sus dotes de pintora de la Naturaleza. Siempre muy sola al lado de sus papás, Esmeralda, por temperamento aislada y tímida, le gustaba pasar el tiempo con su arte. En él soñaba y vivía. Así, el poeta la pudo comparar a un río: “Lágrima dulce vertida / sobre la piel de la tierra”.
Concentrada en su quehacer artístico, desde muy jovencita expone en los principales salones de arte, inicialmente en Granada y después en toda España. En Noviembre de 1968, con sus dieciocho años aproximadamente participaba con sus óleos en los Salones del Centro Artístico de Granada, conforme convite del Presidente del Centro, en que se ha hecho un homenaje a ella con la inclusión de un poema de M. R. del Castillo.
Para ejemplificar el arte de Esmeralda se incluye aquí uno de sus cuadros de mi propiedad y con él un pequeño texto inspirado por su pintura y muy en especial por este cuadro:
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SIERRA NEVADA
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España hace recordar
El frío de la Sierra
El calor de la familia unida
Refrigera y calienta
Suspira y alienta
Ella nos cubre
Con su manto blanco
Y diáfano
3. MÍRIAM MARTINS
Maria Miriam Taques Martins é paranaense, nascida em Ponta Grossa. Para seus quadros emprega o nome abreviado Miriam Martins.Formada em Letras pela Universidade Federal do Paraná e em Direito pela mesma Universidade, exerceu o cargo de Procuradora do Estado. Agora dedica-se à pintura e à música.
Tem participado de inúmeras exposições, sempre com grande sucesso. Classificada, por alguns, de naïf e de impressionista, mas, segundo Maria Célia Martirani, Miriam define-se como: “miniaturista, mas não ingênua, nem naif, já que, em seus quadros, trabalha com o rigor da perspectiva, influenciada por Renoir e Utrillo”. De Miriam, conheço quadros que, pelo realismo primitivista e ingênuo, aproximam-se da arte naïf. Outros lembram o Impressionismo, ou sofreram influências desse estilo. Para mim, que conheço suas tendências estéticas - fomos colegas do curso de Letras e naquela época se iniciava na pintura – Miriam é de um realismo que a aproxima de certo verismo. Mesmo que se deixe levar por algumas experiências, é sempre fiel ao seu estilo, o que a leva a pintar, como diz, sem seguir modismos e seguindo sua vocação e a inspiração que um objeto ou cenário a inspira.
Assim, retrata aspectos da cidade, principalmente de uma Curitiba que tem permanecido no tempo com seus velhos casarões. Pinta também a paisagem natural e lugares como o Passeio Público, um de seus temas. Nesta capital, expôs em vários espaços: Galeria Acaiaca, Agência Feminina do Banco Nacional, Eucatexpo, Solar do Rosário e Salão de Exposições da PUCPR. No exterior, apresentou obras em Paris, em 2007, na exposição Folclore du Brésil, na Galerie Thuillier. Em Milão, em 2008, participou de Brasile Tropicale, na Galleria d'Arte The New Ars Italica, coletivas de artistas brasileiros.
Registrou o barroco mineiro e a arquitetura eclética curitibana, as árvores e os bancos de jardins e de praças, o que a levaram a ocupar páginas do livro O Brasil por seus artistas, do Itamarati e do antigo Ministério da Educação e Cultura. É verbete do Dicionário das Artes Plásticas do Paraná, organizado por Adalice Araújo.
Recentemente, Miriam apresentou quadros no Salão de Pinturas da PUCPR – acervo do Reitor Clemente Ivo Juliatto, grande entusiasta das artes. Como a temática era a própria PUCPR, expôs quadros que retratam a Universidade: edifícios da Instituição ou agregados a ela, como os prédios da sede de São José dos Pinhais e o edifício tradicional do Círculo de Estudos Bandeirantes.
Para representar sua pintura e seu estilo, insere-se o quadro Passeio Público e o texto por ele inspirado:
O velho Passeio, fixado em tela,
Assume novas dimensões.
O verde musgo escorre das árvores,
As águas paradas marcam o tempo
De antigas gerações.
E no jardim lá fora
Adolescentes corações
Batem forte na paisagem
Lembrando velhas emoções
Como enganosa miragem.
Passeio de tanta história!
Que guardo
Vivo na memória.
CONCLUSÃO
Três pintores, três quadros, três poemas a indicarem que a pintura realmente se entrelaça com a poesia. Segundo os clássicos latinos, a pintura era poesia que falava. O conceito Ut pictura poesia, expressão usada por Horácio na sua Arte Poética (c. 20 a. C.) com o significado de “como a pintura, é a poesia”.
Apesar de não possuir um significado estrutural, o conceito veio a ser interpretado como um princípio de similaridade entre a pintura e poesia. Esse princípio de similaridade entre poesia e pintura volta a ser reafirmado com o Realismo e o Parnasiarismo, que pretendiam fazer literatura próxima da realidade e, portanto, apegados também ao conceito de mimese.
A poesia é concebida, assim, como a pintura e, vice-versa, a pintura é como a poesia. Na literatura, é principalmente a poesia que possui o privilégio de se ver comparada às artes. Sempre foram notadas aproximações da poesia com a música e, fundamentalmente, com a pintura.
Afinal, como diz Dufrenne, é poético um jardim em que crianças brincam, em que namorados se encontram, em que velhos passeiam. A poesia é, portanto, o fundamento de todas as expressões em que a natureza se exprime. Assim, passa a vigorar o conceito horaciano do ut pictura poesis.
14 comentários:
Eu e a Norma conhecemos esse quadro... Quem tirou a foto? Parabéns pela nova ocupação... Queremos mais novidades literárias. Ramón.
Muito bom, professor. estou gostando muito de passar pelo seu blog. Grande abraço.
Oi, Ramón e Norma, o quadro, como é de minha propriedade, pois o comprei por gostar de pintura e por ser de autoria de pintor famoso, vocês o conhecem aqui da minha casa. O pintor é Euro Brandão, que foi Reitor da PUCPR. Ele foi um grande incentivador e um grande amigo, que infelizmente já não vive. Tenho muita honra em ter sido um de seus assíduos colaboradores, como seu Assessor na Reitoria. A compra do quadro, o texto e a inserção no Blog é uma homenagem a ele.
Pinheiros
Esguias lanças justapostas
Sustentam
Lancinantes telas
Da neve fria
Nas montanhas
De uma Espanha
azul
que eu não conheço...
M. Célia
Abeti
Questi verdi abeti
Li riconosco già
Chissà di dove?
Denso veluto
Freddo azzurro
Lontananza dispersa
Di
Me...
M. Célia
Maria Célia, obrigado pelos poemas. E fico muito feliz por meu Blog ter uma leitora como você, que a chamarei de amiga. Gracias en nombre de España.
Prof. Jayme
A honra de tê-lo como interlocutor e amigo é toda minha!
Obrigada!
M. Célia
PS-Parabéns pelo blog!
Foto da Francisca! ops, Esmeralda!
Passeio de Miriam
Como gesticulam
Mãos e braços
Na conversa singular
Dessas árvores tagarelas
do Passeio...
Impassível e pacato
Silencioso e sábio
Verde, o lago, apenas
As espelha
e escuta...
M. Célia
Olá professor Jayme, aqui são Saulo e Karla. Que bom que a Raquel nos passou o endereço do seu blog. Seus textos são muito interessantes. Visitaremos sempre. Um abraço
Olá, professor Jaime
A Raquel me passou o endereço do blog. Gostei muito dele, parabéns!
Interessantes as aproximações entre pintura e poesia.
Foi um prazer ter a companhia de vocês na Ilha da Madeira.
Abraços,
Cristiane
Que bom, Saulo e Karla que vocês se comunicaram comigo. O Blog tem ajudado a localizar colegas da literatura.
Como vocês estão estudando bastante o assunto, enviem contribuição que eu postarei com o maior prazer. Grato
Cristiane, pois é a Ilha da Madeira nos aproximou e agora o Blog recupera aqueles dias que passamos na Universidade preocupados com a apresentação de nossos trabalhos no Congresso da AIL.
A Raquel tem sido madrinha deste Blog e tem conseguido trazer os seus e meus colegas para estas páginas.
Envie contribuição que postarei com a maior satisfação.
Abraços
Ficarei honrada em ter contribuições postadas no blog. Obrigada! Assim que tiver algo, enviarei.
Abraços,
Cristiane
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