quarta-feira, 16 de setembro de 2015

ORIGENS

Cada um traz dentro de si os sinais de suas origens. É a terra, são os antepassados, avós, pais e pessoas com quem conviveu. A vida tem sempre a sua razão e o seu modo de ser e, assim, ela modela, molda, conforma.
Portanto, não é estranho que eu traga dentro de mim tanto da minha infância. Foram por essa época os primeiros contatos, as primeiras vivências, as primeiras amizades. E os primeiros conhecimentos se seguiram a tudo isso.
Meus avós me influenciaram por intermédio de meu pai e de minha mãe. Minha família me acompanhava, ensinava, encaminhava-me para a vida. De meu pai eu trouxe o modo amplo de ver o mundo e de me comunicar com os outros, o gosto de me expandir, principalmente pelas viagens. E ainda me restou a herança de uma incomensurável curiosidade. De minha mãe me vieram a tenacidade, o desejo de trabalhar e de vencer honestamente com o próprio esforço. Ela sempre procurou incutir nos filhos caráter firme e coragem para enfrentar a vida.
A cordialidade, a amizade, o carinho foram aperfeiçoados pelas irmãs mais velhas. Sempre cuidaram e zelaram por mim. A irmã e o irmão mais novos me ensinaram a ser cuidadoso com eles.
E os parentes, o que não fizeram por mim? Tudo que podiam e mais, mesmo o que era difícil para eles. Assim também agiram vizinhos e amigos. Pessoas que me visitavam, conversavam e me acompanhavam em muitos passos da vida.
Desse modo, as minhas origens só me ajudaram no meu crescimento físico, intelectual, afetivo. Sou o que sou, e não gostaria de ter sido ou de ser diferente. Quero permanecer eu mesmo e sempre guiado pelas qualidades daquelas pessoas e de tudo que fez parte das minhas origens.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

PUNHAL NO PEITO


PUNHAL NO PEITO
Jayme Ferreira Bueno

 
Uma vez me cravaram ao lado,
Bem junto do coração,
Um punhal bem afiado.
Fiquei sem saber se o punhal
Era de fino aço ou de duro amor.
Só sei que me fez tanto mal,
Tão grande era a minha dor.
Eu chorava noite e dia,
Que me levou a pedir a Deus:
Dê-me coragem de arrancar
Essa lâmina cortante e fria.
E Ele ma concedeu.
Arranquei o punhal com força
Apesar do sofrimento.
Pensou-se, então:
Não sofrerá mais tormento,
Nem terá mais tanta dor,
Sem o punhal no coração.
Puro engano, amigo!
Passei a ter saudade,
De tanta crueldade
Naquele coração ferido.
Este barro que encobre meu espírito
Quem o entenderá, Senhor...?
 
(À moda de Rosalía de Castro, poetisa galega)

 


 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O VELHO TREM DE FERRO

Ditosos a quem acena
Um lenço de despedida!
São felizes: têm pena...

Eu sofro sem pena a vida.

 Doo-me até onde penso,
E a dor é já de pensar,
Órfão de um sonho suspenso

Pela maré a vazar...

 E sobe até mim, já farto
De improfícuas agonias,
No cais de onde nunca parto,
A maresia dos dias.
 
(Poema Marinha. PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Aguilar, 1969, p. 147.)

      Castro não tem mar. Castro não tem porto, aliás, tem, mas é portinho onde não atracam navios, atracam pequenas canoas de algum pescador descuidado. O lugar que se chama Porto fica na margem direita do rio. Mas aquele espaço era como um refúgio para algum esporte. Houve época que ali as jovens de Castro tentavam jogar vôlei. Quando elas lá não estavam, éramos nós, os meninos, que ali íamos jogar o que deveria ser uma espécie de futebol.
Portanto, ali, no Porto, não havia despedida com lenço branco acenando. Mas havia a velha estação da estrada de ferro. Era ali que se aguardava o velho trem na espera de chegar com ele alguma ilusão. Era ali que havia despedidas, algumas pungentes, de cortar o coração, mas não se acenavam lenços brancos.
O velho trem vinha de longe, de São Paulo, chegava cansado. Resfolegava. Depois de passar por Jaguariaíva e de uma breve parada em Piraí do Sul, os trilhos margeavam o tortuoso Iapó. E o trem acompanhava. Já nas fraldas da cidade de Castro, o velho trem apitava. Primeiro cruzava uma pequena estrada de terra, depois apitava novamente para cruzar uma rua e entrar na ponte de grande estrutura metálica. Estava cruzando o Iapó. Margeava a várzea por uma reta e um chão plano, antes de fazer acentuada curva à esquerda, para novamente apitar. Antes de dobrar ligeiramente à direita e cruzar outra rua, esta já bem mais movimentada, o trem afinal apitava contente, estava ingressando no quadro da estação. As agulhas afastavam ou uniam trilhos, para que ele pudesse, finalmente, encostar na plataforma.
Aguardavam-se pessoas. Umas vinham, outras não. O trem como sedento necessitava de água para suas caldeiras. O carvão já estava sendo colocado nas fornalhas. Para a água, do alto da caixa d’água, lá estava o velho Gustavo. Ele era o dono daquele espaço. Ali, só ele, mais ninguém. As longas mangueiras de pano desciam até a máquina e ali depositava a água que iria refrescar, mas também movimentar o pesado trem. E ele partia, apitando. Seguiria em direção de novos destinos: Curitiba, Rio Grande do Sul. Dependia... O fato é que deixava um vazio na velha estação. Castro voltaria a dormir o sono de cidade pequena e abandonada.   

 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

MEU VELHO BLOG

Meu velho blog esquecido
Onde está? Onde ele jaz?
Já nem o encontro mais.
Estará ele perdido?

quarta-feira, 16 de maio de 2012

1950 1. O despertar Dia 1.º de janeiro de 1950, eu, o dia, o mês e o ano acordamos cedo com o toque da Alvorada. A cidade também. O corneteiro do quartel em frente chamava os companheiros para um novo dia, e era ali naquele regimento bem defronte à casa em que eu morava. Certo dia, meu pai me deixara ali, naquele lugar, na cidade de Castro. Era final do ano de 1949. Eu teria de me quedar só, ainda aos 11 anos, afastado de minha mãe, de meu pai e de meus irmãos. Era o dever que me colocava em tal e tão difícil situação. Eu teria de me preparar para o ingresso no curso ginasial. Estudar era preciso. Sofrer não era, mas eu iria sofrer. Soara, então, a Alvorada. Naquele quase um minuto, o soldado se esmerara naquelas notas musicais. O som parecia sair do íntimo do peito de quem soprava a corneta. Estaria ele acordando os colegas, a cidade, ou acordando a si mesmo? Fosse o que fosse conseguira o seu intento. Até o imóvel Duque de Caxias, ali na frente das sentinelas, naquele momento da Alvorada, pareceu acordar do seu sono granítico e como que se aprumou na base de pedra, para, logo em seguida, retomar a sua posição impassível de militar impoluto, respeitador e respeitado. O toque vibrante se fazia ouvir longe e havia como um sentimento de vibração esparso pelo ar. O soldado conseguira, sim, o que desejara. Tocara a alma das pessoas. Tudo seria diferente pelas redondezas. Apesar de ser domingo, Castro acordou cedo. Logo, pela rua passou uma carroça, depois uma bicicleta e, por último, pessoas caminhando. Vinham das proximidades, das fraldas do Morro do Ferro, ou da Vila Frei Mathias, ou ainda da Colônia Santa Leopoldina, talvez de mais longe, do Tronco. Eram verdureiros, leiteiros, padeiros, pessoas que iriam à missa das 7h. A cidade, enfim, retomaria o seu ritmo depois de uma longa noite sonolenta. O Iapó faria suas águas dançarem como valsaram ao som de Ondas do Iapó.

1950-Despertar

quinta-feira, 1 de março de 2012

A POESIA DE CRISTIANE RODRIGUES DE SOUZA

Cristiane Rodrigues de Souza, a pessoa, é uma jovem recatada, um tanto tímida, e com a delicadeza e a beleza das mulheres predestinadas.
Cristiane Rodrigues Souza, a poeta, é bastante diferente. Não perde, porém, a delicadeza e a sutileza de seus gestos de pessoa, mas solta-se livre, levada pela poesia e esquece a timidez e, em parte, o recatamento próprio de uma jovem senhora. Assim
Assim, à maneira de Adélia Prado, o poema surge erotizado para nele se afirmar que o amor é bom: Depois do amor / nos meus braços ele dorme e sonha com a luz, o som, o ar.... No mesmo poema, quase ao final, confessa: meu corpo comovido em suas mãos cria nele ritmo de noite quente / ele me prende / e me enreda e me leva como as ondas de Creedence. (...)Dentro das técnicas da poesia pós-modernista, Cristiane escreve sobre a própria poesia e, mais, sobre a sua própria poesia: no próprio poema Prece à Arvore do Dragoeiro encontramos exemplo: Deu-me a flor como quem faz poesia sem querer. Há mais, porém. No poema da p. 27, a modo de um heterônimo, ela se refere a si própria: - Cris, aquiete-se!Formalmente, o poema fica na indecisão entre o gênero poesia, versicamente falando, e a prosa poética. Não importa, porém. O que importa é que seus textos se encontram impregnados do poético. Para usarmos termos da crítica estruturalista - formalistas russos, Jakobson, Todorov, Kristeva - podemos afirmar que a sua palavra, como toda palavra poética, quer mostrar-se a si mesma. A linguagem do poema torna-se uma linguagem espessa, própria da poesia, em oposição à linguagem transparente da prosa. Tal estranhamento é a essência da literariedade de seus poemas.
Mas fugindo à critica dos anos 60, para deixar de ser tão retrógrado, podemos afirmar que a sua poeticidade é própria da poesia do Pós-Modernidade, ou seja, da Contemporaneidade. A poeta versa, com propriedade, a metalinguagem, a metapoética, tão emblemática da poesia atual. Além de que busca na intertextualidade algum apoio. Explicitamente, aparecem em seus poemas, uma Itabira drummondiana, misturada à uma primeira estrofe à Cecília Meireles; busca o mesmo amor que Sóror Mariana Alcoforado ficava à espera nas cartas que tardavam, ou que não chegavam às suas mãos; um realismo à Tchékov, o mestre do conto moderno; a música da lira de Anfion da Tebas que a poeta procura às avessas; do som da banda de rock Creedence Clearwater Revival, que costuma embalar a poeta em seus momentos de amor; o ritmo da banda escocesa Travis, que é imitado pelo andar de uma carroça; a visão do personagem do ator, roteirista e diretor Tarantino. De modo implícito, aparece a poesia de Mário de Andrade, em especial, de Pauliceia Desvairada.
Finalizando, algumas palavras sobre o poema Prece à Arvore do Dragoeiro, poema-síntese da sua obra. Pode-se afirmar, embora seja temerário fazer-se qualquer afirmação sobre poética e poesia, mas insisto talvez no erro. Esse poema é o que desencadeia os demais. Pode ser, inclusive, que muitos deles sejam anteriores ao contato com tal árvore, na Ilha da Madeira, mas a seleção feita para a publicação nos leva a pensar em tal possibilidade. Se diacronicamente, os poemas possam ser de épocas anteriores, unificados pela sincronia, eles desfilam após Prece à Arvore do Dragoeiro. O poema é também síntese da poética de Cristiane Rodrigues de Souza na obra lida: a poesia é algo que se dá, ou seja, é alguma coisa que se oferece de graça aos visitantes, mesmo aqueles que permanecem apenas um minuto à sua sombra, o tempo em que se lê um dos poemas da poeta. É ainda algo que se desprende do poeta, como a folha se desprende da árvore, e sobre a sombra do lirismo de Cristiane Rodrigues de Souza nós nos quedamos.