domingo, 5 de outubro de 2008

POETAS PARANANESES QUE EU CONHECI

Aqui se incluirão poetas paranaenses que conheci em Curitiba. São apresentados três. A poetisa Graciette Salmon é a primeira a aparecer. Depois virá o poeta Heitor Stockler de França. Finalizará a série o poeta Colombo de Souza.


1.GRACIETTE SALMON

Graciette Salmon, poetisa autenticamente paranaense, é nascida em Curitiba. Recebeu várias homenagens e, inclusive, é nome de rua da cidade. Infelizmente, longe de lugares freqüentados pelos literatos curitibanos, Graciette não recebeu a devida atenção e é pouco conhecida do público leitor.
Suas obras poéticas são em grande número e grandes em sua qualidade: O que ficou do sonho, 1947; Caminhos de ontem, 1953; A vida por dentro, 1956; À beira do tempo, 1958, uma separata de Um Século de Poesia, edição do Centro Paranaense Feminino de Cultura; Enquanto houver caminho, 1958, obra premiada pelo Centro de Letras do Paraná; Dona vida, 1964; Pássaro perdido, 1967; Estrela sozinha, 1969; Vitral Iluminado, 1971; Ciranda, 1982.
Escreveu ainda crônicas, que publicou sob o título Cantinho de poesia, 1964. É autora de Vão clamor, ensaio crítico sobre a poesia de outro poeta paranaense, Leôncio Correia.
Como autora, mereceu a atenção de alguns críticos que escreveram sobre elas obras como o ensaio:
Graciette Salmon: A Ciranda da Estrela Sozinha, de Adélia Maria Woellner, publicado pela Editora Torre de Papel, em 2003. Foi biografada por Eliane de A. Krueger na obra Graciette Salmon, que saiu em Curitiba em 1992 e é uma publicação da Secretaria de Estado da Cultura.
Eu tive a oportunidade e uma felicidade rara de conhecê-la. Foi ao início de 1957, quando cheguei a Curitiba. Como estudante de Letras, freqüentava uma Banca de Revistas, próxima à Praça Tiradentes, para ver as novidades literárias e principalmente para comprar o Jornal de Letras, à época muito procurado e lido. Foi em uma de suas páginas, provavelmente a manchete da capa, não estou lembrado, que fiquei sabendo do lançamento de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, que acabara de ser lançado ao final de 1956. Alguns intelectuais curitibanos freqüentavam esse espaço. Dentre eles, a poetisa Graciette Salmon. Certo dia, fui apresentado a ela pelo dono da Banca e ali começou uma amizade natural e muito interessante, porque havia encontrado alguém para falar de literatura e, muito especial, de poesia. Dela recebi, autografado, o livro Caminhos de Ontem, que lançara há pouco tempo. É uma obra que conservo com muito carinho.
Graciette Salmon, sempre em busca de um amor puro e ideal, escreveu poemas de intenso lirismo. A sua poesia demonstra certo fatalismo, como se retratasse um constante fracasso amoroso. Esse negativismo é uma das marcas da sua poesia.
Aqui se reproduz o início, versos do meio e, finalmente, os últimos versos do poema Carta a Papai Noel, do livro O que Ficou do Sonho:

CARTA A PAPAI NOEL

Papai Noel

Eu não fiquei zangada.
Fiquei triste
porque tu não me ouviste
ou compreendeste mal o meu pedido.
Talvez estivesses
demais atarefado
com os rogos e preces
que te fazia tanta gente,
e por isso, sem mesmo ter notado,
tu me deste um presente
a outra destinado.

°°°
Papai Noel:
não te condeno e não te recrimino.
°°°
Eu queria
- e isso o que pedi com muito ardor -
o ouro precioso e fino,
o ouro genuíno
de um grande e puro amor,
mas trouxeste um amor de fantasia,
um amor de latão,
que andou rolando,
passando
de um a outro coração.
Assim, portanto, o teu presente
aqui te mando em devolução.
Há-de querê-lo, certo, muita gente,
mas eu, Papai Noel velhinho e amigo,
- não te zangues comigo –

não quero nada de segunda mão.

Do livro Caminhos de Ontem, apresenta-se este poema em estilo meio parnasiano, meio simbolista. Nele, com a forma sintética do soneto e com o sincretismo poético, a autora, como se pintasse um quadro, mostra-nos um sentimento profundo, a saudade da pessoa amada. amada

É ASSIM...

Lembra suave toque no marfim
de um piano solitário, em gesto breve;
lantejoilas caindo no cetim,
folhas mortas rolando sobre a neve.

Lembra a nuvem silente no sem fim
do céu azul fugindo, branca e leve;
eco apagado, débil som, enfim,
que se erguer em suspiro não se atreve.

Sutil, despercebida como passa,
lembra o traço ligeiro de fumaça
que à paisagem se funde e ninguém vê.

É assim - imperceptível, mas cravada
dentro do coração, como uma espada –
a Saudade que eu tenho de Você.


2. HEITOR STOCKLER DE FRANÇA

Heitor Stockler de França nasceu no dia 5 de novembro de 1888, na cidade de Palmeira, interior do Paraná. Completou o curso ginasial em Curitiba, em 1936. Terminou o curso superior na Faculdade de Direito da Universidade do Paraná em dezembro de 1941.
Como escritor, Heitor Stockler de França destacou-se na poesia, com vários livros publicados e como membro ativo da Academia Paranaense de Letras, em que ocupou a Cadeira n.º 36.. Em 1974, distribuiu uma mensagem original de final de ano: o livro com sua produção poética de 1948 a 1973, editado com o título Poemas de Natal. Convivera com os principais intelectuais do Paraná: os poetas Emiliano Perneta, Emílio de Menezes, Sharffenberg de Quadros e do historiador Rocha Pombo.
Foi poeta lírico de alta sensibilidade e de grande carga emotiva que apareciam em seus poemas que surgiam de sua fértil inspiração. Sua obra poética é bastante grande e aparece como exemplo de otimismo e de alegria de viver. Assim era o poeta que sempre estava ao lado de seus amigos.
Heitor Stockler de França faleceu no início de 1975, em 11 de janeiro. Assim o Paraná perdia aquele que foi considerado o maior poeta paranaense e que recebera o título de “Príncipe dos Poetas do Paraná” em pesquisa de opinião promovida pelo jornal O Estado do Paraná, em 1950.
Como depoimento pessoal, relato que conheci Heitor Stockler de França em 1958, época em que morava em uma pensão para estudantes e funcionários de firmas de Curitiba. Ali, como amigo da família proprietária da pensão, tive a oportunidade de conhecer e conversar com o poeta. Ele era padrinho da filha da dona da pensão. Sempre se mostrou ser um senhor comedido e culto, grande incentivador de jovens que se iniciavam nas letras, ou que tinham vontade de algum dia vir a escrever. Eu, principalmente, conversava com ele sobre poesia. Ele chegou a corrigir uns versos meus dos não gostara. Em 1960, tendo me mudado para outra moradia, perdi o contato com Heitor Stockler de França. Assim foi o nosso breve, mas denso, convívio cultural.
Como demonstração do seu modo de fazer poesia, incluo dois poemas, uma homenagem a seu amigo Emílio de Menezes e um poema sobre o fim de um amor:

EMÍLIO DE MENEZES

Habita, finalmente, o primoroso esteta
A região da tristeza, e da eterna saudade...
Que vácuo por aqui e que mágua secreta.
A amigos corações, acerbamente, invade.

Punge-me recordar que falta faz o poeta
Ideal do trocadilho e de jovialidade...
Era um prazer fruir, na roda predileta
Onde Emílio estivesse, a boêmia alacridade.

E creio sempre mais, Emílio era um somente,
Do artístico soneto ao jocoso candente,
Ele bem conhecia os íntimos arcanos.

Glória! Glória perpétua ao fulgurante artista,
Ao príncipe imortal da sátira imprevista,
A Emílio - o grande Rei dos poetas parnasianos!

FINIS

Talvez não seja o meu amor extinto.
Quem sabe? Penso e fico menos triste.
E algum prazer só de pensar eu sinto...
Só de pensar que o meu amor existe.

- E existe, disse ao coração, - existe!

Mas, me enganei, fora ilusão fugace,
Quanta perfídia ela guardava em si.
E se calou, ao menos se falasse...
Se me falasse eu via que menti.

- Menti, diria ao coração, - menti!

Porém, agora, é tudo descoberto...
Se perguntar-me o desespero seu:
- Que é desse amor, que eu já contava certo?...
- Que é desse amor? Existe ou já morreu?

- Morreu! Direi ao coração, - morreu!

3. COLOMBO DE SOUZA

O poeta Colombo de Souza nasceu em 1920, em Colombo, cidade próxima de Curitiba. Ficou órfão muito cedo, o que o levou a trabalhar em vários lugares. Foi funcionário da Universidade do Rio de Janeiro e formou-se primeiramente em História e mais tarde em Direito.
Autor de vários livros de poesia e inclusive um de teatro, Colombo de Souza, em A Árvore do Sonho se volta ao imaginário infantil. Essa peça teatral saiu em edição que abrigava também a obra poética Poemas Quase Místicos, de 1987. Além desses, publicou treze livros, entre obras individuais e antologias. Iniciou com a publicação de Painéis, em 1945 e como obras importantes, todas em poesia, podem citar-se: Desencanto, 1946; Fuga, 1948; O Hóspede e a Ilha, 1953; Oráculo, 1957; O Antípoda, 1959; Estágio, 1960; O Anúncio do Acontecido, 1968.
Colombo de Souza, como se informa em nota por ocasião do lançamento do livro Fuga foi demitido de uma academia de letras por converter-se à poesia moderna . Sobre Fuga, afirmava-se que era obra hesitante como toda a poesia moderna.
Tive a oportunidade de conhecer Colombo de Souza no início dos anos 60. Ele era grande amigo do Professor Azaury Marés de Souza, meu colega de magistério no Ginásio Professor João Cândido. Grande contador de anedotas fazia com que passássemos longo tempo ouvindo suas histórias e também algumas piadas. Com o passar do tempo, perdi o contato com o poeta, mas ficou em mim uma forte impressão de Colombo de Souza como poeta e como homem bom vivant, e boêmio, Colombo de Souza, como o era também o meu amigo Azaury.
Hoje, em sua homenagem e em homenagem à poesia paranaense, ficam dois poemas para os leitores entrarem em contato com a sua poesia. O primeiro, um soneto, evoca o passado parnasiano/simbolista do poeta; o segundo, versa um tema também muito grato, principalmente aos neo-simbolistas, que é a aproximação da poesia à música:

ALEGORIA DA BAILARINA NOTURNA

Ei-la esculpida em seus mistérios, nua
no camarim azul da imensidade;
muros sem fim encarceram a sua
virgem alma no tempo sem idade.

Ei-la a bailar - a música insinua
a transparência do bailado que há de
vestir de espelho seu perfil de lua,
no encantado mural da Eternidade.

Quem não amar a Bela Adormecida
não cantará com ela o hino da vida,
rosas de amor plantando pelo mundo.

Seus gestos musicais nadam contornos
de almas, sonham jardins, descem ao fundo
do seu cenário de violinos mornos.

ÁRIA PARA FLAUTA

Entre o luar e a praia
Na medida exata

E em meu céu desmaia
Outra ilusão de prata;

Sempre o amor me atraia
No azul da serenata:

- Serás a antiga praia,
Serei o luar de prata.









3 comentários:

raquel disse...

Muito bacana essa nova "entrada": lembranças de uma Curitiba que não existe mais, com mescla de depoimento/memória, análise literária e apresentação de artista desconhecido (ou quase...). Gostei dessa receita!

Vera disse...

Caro Professor Jayme Bueno, Curitibana de nascimento, habito em Ribeirão Preto - SP - há vários anos. Quando mocinha convivi muito com Graciette Salmon de quem guardo "Amáveis lembranças". Ela me presenteou alguns livros com carinhosas dedicatórias. Tomo a liberdade de alertá-lo quanto ao título que escreveu sobre a poesia "Carta a Papai Noel" do livro "O que ficou do sonho" e que
está escrito como sendo "Papai Noel". Convido-o a visitar meu site poético www.veraregina.com.br
Abraços,
Vera Regina

Jayme Ferreira Bueno disse...

Sobre a poesia de Heitor Stockler de França e de Colombo de Souza, a Raquel disse:
"Posso votar em um dos 4 poemas? Meu voto vai para Finis, de Heitor Stockler de França.
E eu não sabia que o Azaury era boêmio..."