domingo, 21 de setembro de 2008

ANTÓNIO GEDEÃO - Poeta Português


ANTÓNIO GEDEÃO - UM POETA DA DÉCADA DE 50

1. APRESENTAÇÃO

António Gedeão é pseudônimo de Rómulo de Carvalho, nascido em Lisboa, em 1906. Surgiu na literatura portuguesa somente na década de 50 - mais precisamente em 1956, quando publicou o livro de poemas Movimento Perpétuo. Portanto, já aos 50 anos de idade e após as diversas tendências do Modernismo português, considerando-se o período literário que vai do aparecimento da revista Orpheu (1915) até as tentativas surrealistas, no final da década de 40.

Assim, são anteriores à publicação de seu primeiro livro os diferentes sensacionismos originários de Orpheu, a poesia metafísica e esteticista da Presença (1927-1940) e a poesia humanitarista e socializante de um primeiro Neo-Realismo, o da coleção Novo Cancioneiro (1941), como o são, também, a Novíssima Poesia 2, aquela surgida por volta de 1950 e que inclui em si o movimento surrealista e a poesia de Távola Redonda (1950­1954) e de Árvore (1951-1953). A poesia de Antón io Gedeão é contemporânea das tendên­cias experimentalistas e de vanguarda propugnadas por Poesia 61 (1961), por Poesia Experi­mental-1 (1964) e Poesia Experimental-2 (1965), dentre as mais importantes manifes­tações da atual poesia portuguesa.

É neste contexto de atualidade histórica, que a obra poética de António Ge­deão vem sendo publicada com uma regularidade e uma freqüência que não ultrapassa o limite de três anos entre uma e outra publicação. Em 1956 publicou Movimento Perpétuo, logo seguido de Teatro do Mundo (1958) e Máquina de Fogo (1961), livros que reunidos constituíram o volume Poesias Completas (1964). Ainda em 1964 publicou-se Poema para Galileo, que, em 1967, foi incluídono livro Linhas de Força. Este passou a integrar a segunda edição de Poesias Completas (1968).

António Gedeão é também autor de uma peça de teatro: R T X 78/24 (1963) e de um ensaio, O Sentimento Científico em Bocage (1965), de um livro de contos A Poltrona e Outras Novelas (1973) e ainda tem publicações esparsas de poemas e de traba­lhos sobre literatura em revistas portuguesas de cultura ou especificamente literárias.

A poesia de António Gedeão trouxe para a literatura portuguesa uma novidade, que foi o aproveitamento poético de termos específicos da linguagem científica. Os próprios títulos de sua obra demonstram essa tendência, que é explicável pela atuação de Rômulo de Carvalho como professor de Ciências Físicas e Naturais em Liceus de Portugal. Essa marca ele levou consigo em sua vida profissional e na sua trajetória como poeta.

O primeiro livro, Movimento Perpétuo, ou o moto-contínuo é o grande sonho irrealizável da Ciência; Teatro do Mundo, consagrado sob a forma latina theatrum mundi, prende-se à noção do mundo como um grande espetáculo e que mostra o homem frente ao seu destino; Máquina de Fogo, na obra metáfora do coração, interliga-se à idéia de teatro do mundo; Linhas de Força, expressão também de origem técnico-científica, que remete ao conceito de linhas de força introduzido pelo físico inglês Faraday, e, portanto prende-se à idéia da Física.

A maneira singular de António Gedeão atribuir títulos às suas obras é também inovadora. Como constam os títulos, além de serem compostos com vocábulos do domínio técnico-científico, são formados por um substantivo acompanhado de um adjetivo, como em Movimento Perpétuo e Poesias Completas, ou de uma expressão adjetiva, como em Teatro do Mundo, Máquina de Fogo e Linhas de Força.

Para exemplificar a poesia feita por António Gedeão, segue um poema de cada livro:

2. EXEMPLIFICAÇÃO

MOVIMENTO PERPÉTUO

VIDRO CÔNCAVO (MP, p. 29):

Tenho sofrido poesia

como quem anda no mar.

Um enjoa.

Uma agonia.

Sabor a sal.

Maresia.

Vidro côncavo a boiar.

TEATRO DO MUNDO

FALA DO HOMEM NASCIDO (T.M., p. 67)

(Chega à boca da cena, e diz:)

Venho da terra assombrada,

do ventre da minha mãe;

não pretendo roubar nada

nem fazer mal a ninguém.

Só quero o que me é devido

por me trazerem aqui,

que eu nem sequer fui ouvido

no acto de que nasci.

MÁQUINA DE FOGO

A UM TI QUE EU INVENTEI (M. F., p. 181)

Pensar em ti é coisa delicada.

É um diluir de tinta espessa e farta

e o passá-la em finíssima aguada

com um pincel de marta.

Um pesar grãos de nada em mínima balança,

um armar de arames cauteloso e atento,

um proteger a chama contra o vento,

pentear cabelinhos de criança.

Um desembaraçar de linhas de costura,

um correr sobre lã que ninguém saiba e oiça,

um planar de gaivota como um lábio a sorrir.

Penso em ti com tamanha ternura

como se fosses vidro ou película de loiça

que apenas com o pensar te pudesses partir.

LINHAS DE FORÇA

ONDE? (L. F, p. 259-260)

Na cidade do corpo onde é que mora·

a fonte da Poesia?

Em que lugar, neste momento, agora

anónimo colóide se decora

todo de espinhos e grinaldas feito,

no despertar insone, morno e plácido,

de algum aminoácido

insuspeito?

Num lodo como prata, gelatina

Gomosa, brandamente

se aglutina.

Tanta gente num ponto, tanta gente!

Aí tudo se esconde,

a voz que busca e a voz que não responde,

a voz de fios de seda, o novelo de linhas

com que se cose o céu e a terra,

rampa de lançamento,

armamento

de guerra.

Mas ela,

a fonte da Poesia?

A que nunca adormece

nem fenece.

Socorro!

S. O. S.!

Sentinela

do morro.

Favela

de mendigos estirados ao sol sobre restolhos

catando as estrelas do corpo como se fossem piolhos.

Onde?

ONDE?

COMENTÁRIO FINAL

Embora não pertencendo a nenhum movimento literário de sua época, António Gedeão é marcado por influências da poesia realista, principalmente daquela que provinha dos Cadernos de Poesia.

A sua poesia é de um realismo denominado em Portugal Realismo Crítico e, portanto, difere de muitos outros poetas de sua época.

6 comentários:

raquel disse...

"restolhos" com "piolhos" é uma rima bem inusitada, riquíssima! Mas esse Gedeão me parece um tanto... , como dizer, literariamente perverso. Não gostei muito não.

Jayme Ferreira Bueno disse...

Olá, Raquel, obrigado mais uma vez pelos comentários. Lamento que não tenha gostado do Gedeão. Uma outra pessoa também me disse que o achou meio incendiário. Interessante, pois eu o admiro principalmente pela inovação de trazer para a poesia vocabulário da linguagem técnico-científica.
"De gustibus et de colorem non disputandum".
Talvez venha a gostar da poesia do nosso Gedeão, quando ler algum outro poema, como "Lição sobre a água".
Um abraço e obrigado.

Daniel Osiecki disse...

Eu conheço pouca coisa do Gedeão. Mais uma vez, os poemas que li de gedeão foi graças ao professor Jayme, pois li alguns deles em sua dissertação de mestrado.Um fato que chama minha atenção na obra de Gedeão é uma espécie de niilismo que permeia vários de seus versos. A metalinguagem também é muito bem trabalhada, fazendo o leitor incorrer em divagações sobre o fazer poético.Parabéns, professor. Acertou mais uma vez.

Jayme Ferreira Bueno disse...

Obrigado Daniel, você sempre atento à literatura portuguesa. Vejo também que incorporou conceitos e uma certa linguagem da crítica literária. Parabéns. Agora, só falta o mestrado. Vamos lá...

Daniel Osiecki disse...

Olá, professor. Meu interesse pela literatura portuguesa começou em 2004, em suas aulas na puc.Quanto ao mestrado, estou trabalhando em meu ptojeto e estudando um bocado. Vamos ver.Um abraço e continue visitando meu blog.

Bernardo Caldeira disse...

www.semtidogozado.blogspot.com