ode ao e-mail
e-mail é carta de quem brinca de esconder
quer ver o escaninho vazio, mas tem o coração cheio
às vezes se manda pra longe, às vezes pra muito perto
serve pra mandar embora
pra desejar boa viagem e pra trazer boas-vindas
e-mail mata saudades mais rápido que outro correio
existe pra quem tem pressa de saber se o outro é
ou queria sê-lo; se o outro veio
ou viria vê-lo,
sentir, falar, ouvir logo uma resposta
às vezes - inevitável ? - e-mail é posta-restante,
só acontece quando a gente se esquece de abrir a caixa
quando a gente não se liga em se corresponder
quando a gente não se liga em se abrir
quando a gente não se liga
e-mail não tem carteiro nem latido de cachorro nem campainha
pra avisar sua chegada
e-mail é discreto
tanto que nunca sabemos de segredos violados ou de senhas reveladas
tantos e tantas...
instruções de uso:
"a discrição do e-mail não garante o sigilo da mensagem"
e-mail não garante nada
não quer ser fidúcia nem hipoteca de comunicação continuada
e-mail não quer ser contrato nem gerar direitos
e-mail é apenas mais um meio, "media"
(mass?)
pra que seja coletivo, basta clicar mais destinos
é como espalhar filipetas por todo o bairro
anunciando o sabor novo
da pizza - delícia - que queremos compartir
"delivery!", o entregador já na porta
nas noites frias de inverno
(lê-se acompanhado de um bom vinho
como merecem os encontros e reencontros prazerosos)
nessas noites a gente fala e fala sem ter nada pra dizer
igualzinho quando a gente escreve e-mail
porque e-mail é como beijo: não precisa de assunto
ele é meio vagabundo: erra, erra, e chega junto
.
(Raquel Illescas Bueno é professora de Literatura Brasileira e Teoria da Literatura na Universidade Federal do Paraná. - e-mail: raquel@coruja.humanas.ufpr.br).
9 comentários:
Obrigada, prof. Jayme! :-)))
Como se diz em Portugal, você estava por merecer mais do que uma homenagem. É também um incentivo para novas produções poéticas.
Olá Raquel
Bela "Ode ao Email", poética, atual e lúdica, tal como devem ser os prazerosos artifícios literários. Parafraseando R. Barthes, também creio no literário enquanto "trapaça salutar", que retira a Língua dos domínios arbitrários do poder.
M.Célia
Prezado Professor Jayme,
Pena que não fui seu aluno, pois certamente teria aprendido muito com o senhor. No entanto, tive o prazer da convivência literária com a Raquel, minha orientadora de Doutorado, responsável por eu mariodeandradiar muito por essas bandas curitibanas. Estímulo constante nos meus estudos acadêmicos, a Raquel é uma verdadeira brincalhona com as palavras. É preciso cuidar do que fala na frente dela, pois ela cria efeitos poéticos e humorísticos, bem do jeitinho da crônica de que ela tanto gosta. Exemplo: Uma feita eu disse a ela que tinha acabado o tempo da camisolinha. Ela acrescentou: "Ainda bem mesmo, já era tempo, você também deve ter deixado as calças curtas do Nelson Rodrigues e agora já usa calças longas". Enfim, poeta Raquel, moleca peralta das letras, você cativa com sua ode ao e-mail, você faz literatura tanto numa simples conversa como numa aula de pós-graduação. Escreva mais. Urge escrever, brincar você já sabe, agora ponha seus jogos poéticos no papel. Abraços a você e ao prof. Jayme. Desse simples admirador.
Olá Sr. Jayme e Raquel,
Os textos que me acompanham têm sido mais científicos, técnicos, embora ainda tenha muito prazer em leitura descompromissada.
Ao me deparar com "Ode ao Email", senti saudades de literatura não médica...
Fiquei imaginando o que ia no coração da Raquel quando escreveu o poema, só me veio à mente uma cena com muitos amigos rs.
Espero que produza mais, e ainda melhor !
Forte abraço.
Fernando
Realmente foi uma pena que não tivéssemos nos encontrado em sala de aula, pois pelo jeito você gosta bastante de literatura, e isso é uma paixão para mim.
Ao você gostar das aulas e da própria Raquel, para mim é uma grande satisfação. Ao gostar dela, indiretamente gosta de mim, o pai.
Um grande abraço e obrigado.
Mara Regina,
Obrigado por ter dedicado tempo na leitura dos textos do Blog.
É, a profissão realmente nos arrasta a textos correlatos. Mas sempre deve sobrar um tempinho para as coisas mais descompromissadas, como um texto literário, os contos, por exemplo, que são mais curtos. Os poemas são outra alternativa, mas precisa gostar de poesia.
Você deve saber, que, ultimamente, muitos médicos têm se dedicado ao estudo de Letras e de Filosofia. Saiu, inclusive, um artigo sobre o tema. Médicos, que, para quebrar um pouco do tecnicismo, vçao cursar Letras ou Filosofia. A Raquel já orientou Médico (Dr. Jair Ramos, Neuro. Eu também lecionei para médicos, mas era no mestrado de educação da pUCPR.
Obrigado, foi uma honra o seu comentário.
Acho que esse ano vai ser maravilhoso! Eu ja havia estudado com a Raquel, mas na correria de uma faculdade não conhecia seu lado poético. Adorei a ode e agora estava procurando material para tentar um mestrado sobre viagens literárias e a Raquel é uma ótima fonte. Com essa oportunidade vou torcer pra voltar logo às aulas.
Obrigado Jayme obrigado Raquel.
Belo texto em prosa poética!
Parabéns, Raquel!
Já inaugurou a página "Literatura Contemporânea" no blog "Poetas Vivos".
Abraços, Prof. Jayme!
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