O gênero epistolar sempre teve seus cultores. Em Portugal, na época do Barroco, ficaram famosas as cartas de amor de Sóror Mariana Alcoforado e as cartas familiares de Dom Francisco Manuel de Melo, para citar apenas dois exemplos. Em vários outros estilos de época e em toda a literatura universal surgiram grandes autores de epístolas, tanto em prosa como em poesia.
Os séculos XVIII e XIX foram pródigos em autores de epístolas poéticas: Voltaire, Rousseau, Shelley, Byron, Filinto Elísio (Francisco Manuel do Nascimento), Castilho, Musset, Victor Hugo, Mallarmé e um grande número de outros.
O gênero epistolar inclui epístolas propriamente ditas, cartas, bilhetes e outras formas.
Aqui, incluem-se duas cartas e um denominado bilhete, cujo texto não deixa de ser uma carta poética.
Os poetas brasileiros selecionados foram os mineiros Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado, e o gaúcho Mário Quintana:
CARTA (Drummond)
Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo,
estes sinais em mim, não das carícias
(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que ao sol-posto
perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
"Deus te abençoe", e a noite abria em sonho.
É quando, ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.
BILHETE EM PAPEL ROSA (Adélia)
Ao meu amado secreto, Castro Alves.
Quantas loucuras fiz por teu amor, Antônio.
Vê estas olheiras dramáticas,
este poema roubado:
"o cinamomo floresceem frente do teu postigo.
Cada flor murcha que desce,morro de sonhar contigo.
"Ó bardo, eu estou tão fracae teu cabelo é tão negro,
eu vivo tão perturbada,
pensando com tanta força
meu pensamento de amor,
que já nem sinto mais fome,
o sono fugiu de mim. Me dão mingaus,
caldos quentes, me dão prudentes conselhos,
eu quero é a ponta sedosa do teu bigode atrevido,
a tua boca de brasa, Antônio, as nossas vidas ligadas.
Antônio lindo, meu bem,
ó meu amor adorado,
Antônio, Antônio.
Para sempre tua.
CARTA DESESPERADA (Quintana)
Como é difícil, como é difícil, Beatriz, escrever uma carta...
Antes escrever os Lusíadas! Com uma carta pode acontecer
Que qualquer mentira venha a ser verdade...
Olha! O melhor é te descrever, simplesmente,
A paisagem,
Descrever sem nenhuma imagem, nenhuma...
Cada coisa é ela própria a sua maravilhosa imagem! Agora mesmo parou de chover.
Não passa ninguém. Apenas
Um gato
Atravessa a rua
Como nos tempos quase imemoriais
Do cinema silencioso...
Sabes, Beatriz? Eu vou morrer!
sábado, 15 de novembro de 2008
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5 comentários:
Olá, professor. É com saudosa lembrança que as Cartas Portuguesas de Mariana Alcoforado me vêm à memória. Lemos suas cartas numa disciplina do Prof. Marcelo no segundo semestre de 2003. Pra mim foi uma descoberta. A sua narrativa lírica chamou minha atenção desde o começo. O modo como se dirige a alguém que não lhe responde é de extrema beleza. Parabéns pela postagem e um abraço.
Oi, Daniel, como sempre você tem se mostrado fiel leitor do blog. O gênero epistolar sempre me chamou a a tenção, pois sou de uma época que ainda se escreviam cartas.
Fico pensando se o Mário de Andrade tb. teria escrito algum poema-carta (ele que, de tão viciado em cartas, já possibilitou publicar mais de 30 volumes delas). O soneto do Drummond é maravilhoso. Leio esse poema como carta enviada ao além - supondo que a mãe dele deveria andar por aquelas bandas qdo. ele escreveu. Na verdade, será mesmo uma carta à mãe?
Olha, Raquel, como você sabe até melhor do que eu, cada poema pode ter muitas leituras. Não se deve desprezar essa de ser uma carta à mãe dele. Mas pela multivocidade que toda poesia enseja, pode ser também um poema a uma mãe não determinada, o que serviria a todas e à própria mãe dele.
Enrolei um bocado para não dizer nada de novo.
Um abraço.
Seu blog me deixou sem ar... Maravilhoso!
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