segunda-feira, 24 de novembro de 2008

PORTUGAL E O 25 DE ABRIL

PORTUGAL E O 25 DE ABRIL

1. A data na história de Portugal
O dia 25 de abril de 1974, em Lisboa e em Portugal, amanheceu real e simbolicamente sob uma nova ordem. A Revolução dos Cravos estava nas ruas de todas as cidades e nos caminhos todos de Portugal. Soldados desfilavam com seus carros de guerra ao passo que iam recebendo as homenagens da população que enfeitava seus fuzis com cravo vermelho, o símbolo de Portugal. Essa flor empunhada pelos participantes do MFA - Movimento das Forças Armadas passou a ser também a referência da Revolução que derrubava, naquele momento, as últimas resistências de um Salazarismo já ultrapassado no tempo e na vontade dos portugueses.
A Revolução dos Cravos trouxe raios de esperança ao sofrido povo português daqueles tempos. O terror da ditadura, embora bem mais branda, ainda assustava. Eram prisões, eram exílios, eram separações. Tudo contribuía para um sofrimento que agora parecia haver sido extinto.

2. Os festejos do 25 de abril
Naquele ano de 1974 e nos que se seguiram, o povo saiu e continuava a sair para festejar o acontecimento. A data passou a ser oficial. Muitos edifícios, construções, escolas que ostentavam o nome pomposo de Salazar, passaram a denominar-se 25 de Abril.
Em 1981, tive a oportunidade de assistir aos festejos alusivos à data. O povo festejava nas ruas, nas praças, nos bosques. A alegria era incontida. O vermelho dominava a paisagem. As bandeiras desfraldadas enfeitavam a festa. Era tudo alegria, comemoração.



3. A literatura “pós-25 de abril”
O grande entusiasmo popular chegou aos escritores. Surgiu, então, uma literatura que chegou a ser chamada “Literatura Pós-25 de Abril”. Esta denominação, que alguns críticos a rejeitam, mas que não podem negar que, de qualquer modo, produziu numerosas grandes obras. Com ela, surgiram novos escritores, como Lídia Jorge, e outros, já autores conhecidos, como Almeida Faria, e outros ainda surgidos em épocas bem anteriores, como Fernando Namora, passaram a produzir novas obras.
Dentre as principais e mais conhecidas obras com o rótulo de “pós-25 de abril”, publicaram-se: Levantado do Chão, de José Saramago, romance influenciado pelo Neo-Realismo; Os romances inovadores O Triunfo da Morte, de Augusto Abelaira e Lusitânia, de Almeida Faria, e O Dia dos Prodígios, da iniciante Lídia Jorge; A narrativa meio realista, meio surrealista Os Cus de Judas, de Lobo Antunes; os policiais Balada da Praia dos Cães, de José Cardoso Pires, e O Rio Triste, de Fernando Namora; além de outros, como O Mosteiro, de Agustina Bessa Luís, e O Silêncio, de Teolinda Gersão.

4. Três textos de obras representativas do “pós-25 de abril”
Para ilustrar a “literatura pós-25 de abril”, selecionamos três textos de diferentes obras. O primeiro
é um fragmento de Lusitânia, de Almeida Faria; o segundo pertence à obra O Rio Triste, de Fernando Namora; e o terceiro é de O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge:

ALMEIDA FARIA – Lusitânia, p. 43.

RESPOSTA DE ARMINDA A JC EM MEMORÁVEL DATA:

Montemínimo, 25 de abril

Querido João Carlos,

quando a minha missiva aí chegar já estarás bem informado do que aqui se passa. Acho que, em vez de ser eu a partir como me aconselhas, deves ser tu a fazê-lo, não só por causa da morte do Pai, também porque a ditadura já não dura. Se anda­mos a lutar pelo fim dela, não tanto quanto Samuel mas o bastante para te zangares com o Pai, não faz sentido ficares num exílio voluntário agora que os exilados vão voltar, segundo parece mais provável. Ainda se não sabe até onde irão estes militares, nem se soará a hora das massas populares. Pelo menos porém fala-se em demo­cracia, quase novidade neste país.

FERNANDO NAMORA – O Rio Triste, p. 97.

Dessa vez, fora a própria polícia a contactar os jornais. Havia um caso bicudo, era preciso dar-lhe relevo. Um ho­mem desaparecido, telefonemas misteriosos, uma gabardina deixada num cacilheiro. O homem que a vestia (ou que, nesse dia, não chegara a vesti-la) fora visto num dos barcos que fazem a travessia do Tejo, encostado ao gradeamento da amurada, sozinho, num modo de quem não se sentia muito bem. Mesmo pondo em dúvida o rigor destas minúcias, a verdade é que o homem chamara as atenções da pessoa que ocasionalmente o observara e que, no fim da viagem, ao re­parar que o enigmático passageiro deixara a gabardina es­quecida no banco, fora sobre ele para o advertir, porém sem resultado, pois sumira-se entre a massa de gente que se dirigia para o ancoradouro. Então, a pessoa, depois de ter hesitado se deveria incomodar-se tanto com um desconheci­do desmazelado ou distraído, decidira-se a entregar a gabar­dina ao mestre do barco. Por último, a gabardina fora parar aos achados e perdidos da polícia, um agente, por mero pal­pite, recambiara-a para a secção de pessoas desaparecidas, talvez porque nessa tarde lera uma pequena notícia acerca de um tal Rodrigo Abrantes.

LÍDIA JORGE – O Dia dos Prodígios, p. 152-3.

Vamos. Vamos ser visitados por seres saídos do céu, e vindos de outras esferas. Onde os séculos têm outra idade. Afastem-se, vizinhos, que esta visão costuma fulminar. As crianças correram estrada fora, comandadas pela coragem. Sentiam que o mar ia chegar atrás dum barco de velas alvadias e soltas, desfraldadas à levíssima brisa da tarde. E também começaram a esbra­cejar, esboçando gestos de natação. Mas Macário. Tendo sido o último a enxergar, teve a visão exacta. No momento da surpresa ainda tinha os olhos fechados de repetir pela última vez. À espera de ocasião. À espera de ocasião.
- Isto é um carro de combate. Oh vizinhos.
Na verdade, a pleno meio da estrada avançava um carro singular, porque vinha pejado de soldados garbosos e épi­cos, penetrando já pelo centro de Vilamaninhos com ban­deiras e flores. E cantavam por um altifalante como se viessem munidos de uma poderosa orquestra. Agora já o espectáculo era tão real e tão bonito que todos. Esquecidos desses primeiros segundos de pasmo e confusão. Sentiram estar suspenso o toque, o canto e a audição desde há muito. Para só ouvirem e verem aquilo que chegava em cima duro carro aberto e blindado. Todos tinham a certeza que desde o tempo dos reis nunca mais se vira de igual. Ah mara­vilha. Então o carro: parou em frente do grupo, e fez-se um momento de silêncio tão solene que as pessoas 'Pensaram ir morrer. Mas um soldado. Particularmente bem feito, tendo sem dúvida nascido numa terra muito diferente; Começou a falar de cima do carro, agora, parado no largo. Dizia coisas. Que tinha - feito uma re vo lu ção, e que era pre­ciso animar os espíritos. porque tudo. Tudo. E abria uns braços de salvador. Tudo iria ser modificado. Falava tão bem, que todos se encontravam encantados no timbre daquela voz. E nas maneiras másculas, sendo contudo deli­cadas, como se não sentisse o soldado o peso do corpo. Na farda, no cabelo levemente encaracolado. E ninguém era capaz de dizer fosse o que fosse, presos, todos da surpresa e da maravilha. Nem Macário. Nem Manuel Ger­trudes. Os outros soldados sentindo sem dúvida a per­turbação que invadia os naturais de Vilamaninhos, le­vantaram então os braços e disseram o que os ouvintes por­ventura queriam dizer. Mas falaram os soldados em con­junto. Tão alto e tão vibrante. Que os vilamaninhenses só compreenderam que uma grande coisa eles haviam dito, e maiores a:inda teriam a dizer no futuro. Quando acabaram o largo estava cheio de gente que escutava. Nem se sentia o vazio dos ausentes. E Macário, receando que os habitan­tes de Vilamaninhos estivessem a desempenhar o papel de bêbados na perfeição, e animado, porque antes da chegada, acabara de ouvir da boca do seu vizinho, que o seu lugar não deveria ser ali. Sentindo-se patrício desses forasteiros. Disse.
- Nós aqui soubemos logo, dois dias depois, que vocês tinham feito a re vo lu ção. Mas nunca pensa­mos que chegássemos a ver os heróis.
O soldado que havia falado agradeceu com a mão. Todos os outros tinham um ar solene e marcial, não duvidando ninguém que tais homens venceriam as maiores batalhas. Disse também o soldado formosíssimo, com flores a desfo­lharem-se nas abotoadeiras. Que era preciso que aquela terra se capacitasse que o tempo da li ber da de tinha che­gado.

5 comentários:

Daniel Osiecki disse...

Com certeza data mais importante da história recente de Portugal. Quanto à literatura, não poderia ter selecionado autores mais significativos. Com exceção de Lídia Jorge, li todos eles.Gostei sobremaneira de Lusitânia, obra forte, crua. O Rio Triste de Namora tem uma atmosfera de romance policial, mas não é menor por isso.Parabéns pelo texto e pela escolha dos fragmentos, professor. Agora vou em busca de Lìdia Jorge.Um abraço.

Jayme Ferreira Bueno disse...

Olha, Daniel, para mim, a Lídia Jorge foi a melhor surpresa dessa geração "pós-25 de abril". O Dia dos Prodígios revela uma nova escritora, inovadora, poética e bastante criativa. Dos livros dela que eu li, considero o melhor. A revelação de Lídia Jorge se deu exatamente com essa sua primeira obra.Outro que possuo é O Cais das Merendas.

raquel disse...

As fotos são tuas? Legal!
Vc. poderia também juntar referências literárias ao hino da revolução: "Grândola, vila morena la la la"
Quanto à pontuação de Lidia Jorge: é assim mesmo? ou foi contribuição do scanner?

Jayme Ferreira Bueno disse...

Oi, Raquel, não estranhe, mas a pontuação é assim mesmo. Ela é da geração de inovadores do romance português. Mas a inovação vai além, na estruturação, na temática e especialmente na linguagem.

Jayme Ferreira Bueno disse...

Raquel, esqueci de responder-te sobre as fotos. São minhas, da época em que me encontrava em Portugal com bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Pois e, as velhas máquinas com filme de rolo também funcionavam. Tenho boas fotos daqueles tempos. Agora, que abandonei um pouco a arte de fotografar.