Fernando Pessoa é o grande poeta do Modernismo português e um dos maiores da língua portuguesa. Os críticos costumam dizer que um ciclo da poesia portuguesa se abre com Camões e se fecha com Fernando Pessoa. Camões teve de esperar 500 anos para surgir outro como ele. Na não-modéstia de Fernando Pessoa, com ele próprio surgira um supra-Camões.O fenômeno dos Heterônimos, outros poetas que habitam a alma poética de Fernando Pessoa, colaborou para dar a ele merecido destaque. Assim, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos (deixando de lado Bernardo Soares, o Heterônimo da prosa poética do Livro do Desassossego), representam a tríade dessa incrível capacidade criadora de Fernando Pessoa de transmudar-se em novos poetas.
Alberto Caeiro, o mais “simples” dos heterônimos é o poeta da Natureza por excelência. O adjetivo simples em Caeiro significa apenas a aparência de sua poesia, pois ele é tão complexo como é complexa toda a poesia de Fernando Pessoa. Ele mesmo quer se fazer passar por um poeta que não pensa, mas que é apenas sensorial. Ele, segundo ele próprio, não pensa a Natureza, vive a Natureza. Esse viver a Natureza o caracteriza como um poeta realista, um pouco impressionista e principalmente panteísta.
Alberto Caeiro, pela sua simplicidade, é adotado pelos outros heterônimos como o Mestre. Como cidadão, na biografia escrita para ele, é um pequeno agricultor que vive próximo de Lisboa e que raramente freqüenta a cidade. É fã dos poetas realistas e vive a ler Cesário Verde.
Seguem três poemas de Alberto Caeiro:
POEMA 208
Ao entardecer, debruçado pela janela, 
E sabendo de soslaio que há campos em frente, 
Leio até me arderem os olhos 
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês 
Que andava preso em liberdade pela cidade. 
Mas o modo como olhava para as casas, 
E o modo como reparava nas ruas, 
E a maneira como dava pelas cousas, 
É o de quem olha para árvores, 
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando 
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...
Por isso ele tinha aquela grande tristeza 
Que ele nunca disse bem que tinha, 
Mas andava na cidade como quem anda no campo 
E triste como esmagar flores em livros 
E pôr plantas em jarros...
POEMA 233
Li hoje quase duas páginas 
Do livro dum poeta místico, 
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes, 
E os filósofos são homens doidos.
Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem 
E dizem que as pedras têm alma 
E que os rios têm êxtases ao luar.
Mas flores, se sentissem, não eram flores, 
Eram gente; 
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras; 
E se os rios tivessem êxtases ao luar, 
Os rios seriam homens doentes.
É preciso não saber o que são flores e pedras e rios 
Para falar dos sentimentos deles. 
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios, 
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos. 
Graças a Deus que as pedras são só pedras, 
E que os rios não são senão rios, 
E que as flores são apenas flores.
Por mim, escrevo a prosa dos meus versos 
E fico contente, 
Porque sei que compreendo a Natureza por fora; 
E não a compreendo por dentro 
Porque a Natureza não tem dentro; 
Senão não era a Natureza.
POEMA 225
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, 
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia 
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios 
E navega nele ainda, 
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha 
E o Tejo entra no mar em Portugal. 
Toda a gente sabe isso. 
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia 
E para onde ele vai E donde ele vem. 
E por isso porque pertence a menos gente, 
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo. 
Para além do Tejo há a América 
E a fortuna daqueles que a encontram. 
Ninguém nunca pensou no que há para além 
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. 
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
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