segunda-feira, 3 de novembro de 2008

FERNANDO PESSOA E A POESIA DOS HETERÔNIMOS: ÁLVARO DE CAMPOS

Fernando Pessoa é o grande poeta do Modernismo português e um dos maiores da língua portuguesa. Os críticos costumam dizer que um ciclo da poesia portuguesa se abre com Camões e se fecha com Fernando Pessoa. Camões teve de esperar 500 anos para surgir outro como ele. Na não-modéstia de Fernando Pessoa, com ele próprio surgira um supra-Camões.O fenômeno dos Heterônimos, outros poetas que habitam a alma poética de Fernando Pessoa, colaborou para dar a ele merecido destaque. Assim, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos (deixando de lado Bernardo Soares, o Heterônimo da prosa poética do Livro do Desassossego), representam a tríade dessa incrível capacidade criadora de Fernando Pessoa de transmudar-se em novos poetas.

Álvaro de Campos é o heterônimo que representa o lado modernista, ou mais propriamente, futurista de Fernando Pessoa. É o poeta das grandes odes, como a Ode Marítima e a Ode Triunfal. Como Marinetti, prefere a máquina às belas estátuas dos museus. Os avanços técnicos permitem à humanidade deslocar-se com a velocidade dos comboios, dos carros e dos aeroplanos.
Como cidadão, Álvaro de Campos é engenheiro naval, formado na Escócia. Adepto do Futurismo, poetiza a velocidade e as conquistas técnicas. Seus longos poemas próximos da prosa mostram um homem sempre angustiado e que busca fugir de tudo aquilo que o atormenta.
Seguem três poemas de Álvaro de Campos:

SONETO


Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei-de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

DOBRADA À MODA DO PORTO

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,

Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo. Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.

Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?

Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,

Particular ou público, ou do vizinho.
Sei multo bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes,

Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.

POEMA

Todas as cartas de amor são

Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje

As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

4 comentários:

raquel disse...

pois pois´
espiei e vi que não conheço - ou não lembro - da maioria dos poemas.
no fim de semana terei um pouco de pessoa, então!

Jayme Ferreira Bueno disse...

Sei que terás muitas pessoas. Penso que o convidado está mais interessado em Lorca. Pode sobrar, porém, algum comentário para o Fernando e seus muitos outros poetas.

Lilly Faro disse...

Olá Jayme.
Meu nome é Tássia. Eu sou estudante de jornalismo pela PUCPR. Estamos fazendo um programa de rádio agora sobre literatura.
Gostaria de saber se vc tem interesse de partcipar. Este programa é sobre Machado de Assis.
Ele será gravado nesta quinta-feira (13), às nove da manhã.
Se tiver disponibilidade e quiser, me mande um email confirmando, mas é meio urgente. hehehe
É tatharodrigues@hotmail.com
Obrigada desde já.

Jayme Ferreira Bueno disse...

Tássia, parabéns por ser estudante de Jornalismpo da PUCPR. Infelizmente, por compromisso assumido anteriormente, não poderei participar da gravação. Estarei, porém, Pa dispposição em qualquer outro momento.
Obrigado por ter consultado o meu Blog.