sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

GILKA MACHADO


GILKA MACHADO
Em tempos de recordar Maysa, cantora polêmica e avançada para a sua época, (Maysa, quando fala o coração), devemos lembrar também de Gilka Machado (Rio de Janeiro, 12.03.1893 – 11.12.1980). Combatida pelo grupo da Semana de Arte Moderna, Gilka soube impor-se por sua determinação na luta em favor da libertação da mulher do pensamento retrógrado de muitos intelectuais da época.
Escreveu versos sob a influência do Simbolismo e que foram considerados escandalosos no começo do século XX, pelo marcante erotismo. Como mulher que se impunha ao seu tempo, não se abateu pelas críticas e continuou a escrever sobre a condição feminina.
Suas principais obras foram: Cristais Partidos, 1915; Estados de Alma, 1917; Mulher Nua, 1922; Meu Glorioso Pecado, 1918; Carne e Alma, 1931; Sublimação, 1928; Meu Rosto, 1947; Velha Poesia, 1968; Poesias Completas, 1978.
Há na poesia de Gilka Machado um erotismo e uma audácia que desafiavam os preceitos e a conduta moral de sua época. É considerada a pioneira no emprego da sensualidade, na poética feminina brasileira.

LEMBRANÇAS
Teus retratos — figuras esmaecidas;
mostram pouco, muito pouco do que foste.
Tuas cartas — palavras em desgaste,
dizem menos, muito menos
do que outrora me diziam
teus silêncios afagantes...
Só o espelho da minha memória
conserva nítida, imutávela projeção de tua formosura,
só nos folhos dos meus sentidos
pairam vívidas
em relevo
as frases que teu carinho
soube nelas imprimir.
Sou a urna funerária de tua beleza

que a saudade
embalsamou.

Quando chegar o meu instante derradeiro

só então, mais do que eu,
tu morrerás

em mim.

SAUDADE
De quem é esta saudadeque meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?

De quem é esta saudade,
de quem?
Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo...
E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,e esta boca sem um beijo...
De quem é esta saudadeque sinto quando me vejo?

SENSUAL
Quando, longe de ti, solitaria, medito
neste affecto pagão que envergonhada occulto,
vem-me ás narinas, logo, o perfume exquisito
que o teu corpo desprende e ha no teu proprio vulto.

A febril confissão deste affecto infinito
ha muito que, medrosa, em meus labios sepulto,
pois teu lascivo olhar em mim pregado, fito,
á minha castidade é como que um insulto.

Si acaso te achas longe, a collossal barreira
dos protestos que, outr’ora, eu fizera a mim mesma
de orgulhosa virtude, erige-se altaneira.

Mas, si estás ao meu lado, a barreira desaba,
e sinto da volupia a ascosa e fria lêsma
minha carne polluir com repugnante baba...


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