GÊNERO EPISTOLAR EM OBRAS DE FICÇÃO
O gênero epistolar sempre teve seus cultores na literatura universal, tanto em prosa como em poesia. A literatura portuguesa e a brasileira, em todas as épocas literárias, apresentam grandes autores de epístolas. Há, inclusive, muitas obras que se estruturam com o apoio único ou preponderante de cartas.
Aqui se incluem três cartas retiradas de romances brasileiros de diferentes épocas e que não São unicamente de cartas. Elas aparecem acidentalmente na narrativa.
É comum encontrarmos cartas em obras de ficção. O autor, para mudar o foco narrativo, faz uso desse recurso estilístico. Os escritores selecionados foram o carioca Machado de Assis, o paulista Oswald de Andrade e o paranaense Miguel Sanches Neto.
1. UMA CARTA EXTRAORDINÁRIA (Machado de Assis)
O gênero epistolar sempre teve seus cultores na literatura universal, tanto em prosa como em poesia. A literatura portuguesa e a brasileira, em todas as épocas literárias, apresentam grandes autores de epístolas. Há, inclusive, muitas obras que se estruturam com o apoio único ou preponderante de cartas.
Aqui se incluem três cartas retiradas de romances brasileiros de diferentes épocas e que não São unicamente de cartas. Elas aparecem acidentalmente na narrativa.
É comum encontrarmos cartas em obras de ficção. O autor, para mudar o foco narrativo, faz uso desse recurso estilístico. Os escritores selecionados foram o carioca Machado de Assis, o paulista Oswald de Andrade e o paranaense Miguel Sanches Neto.
1. UMA CARTA EXTRAORDINÁRIA (Machado de Assis)
Há tempos, no Passeio Público, tomei-lhe de empréstimo um relógio. Tenho a satisfação de restituir-lho com esta carta. A diferença é que não é o mesmos porém outro, não digo superior, mas igual ao primeiro. Que voulez-vous monseigneur?- como dizia Fígaro, - c'est la misère. Muitas cousas se deram depois do nosso encontro; irei cortá-las pelo miúdo, se me não fechar a porta. Saiba que já não trago aquelas botas caducas, nem envergo uma famosa sobrecasaca cujas abas se perdiam na noite dos tempos. Cedi o meu degrau da escada de S. Francisco; finalmente, almoço.
Dito isto, peço licença para ir um dia destes expor-lhe um trabalho, fruto de longo estudo, um novo sistema de filosofia, que não só explica e descreve a origem e a consumação das cousas, como faz dar um grande passo adiante de Zenon e Sêneca, cujo estoicismo era um verdadeiro brinco de crianças ao pé da minha receita moral. E singularmente espantoso esse meu sistema; retifica o espírito humano, suprime a dor, assegura a felicidade, e enche de imensa glória o nosso país. Chamo-lhe Humanitismo, de Humanitas, princípio das cousas. Minha primeira idéia revelava uma grande enfatuação; era chamar-lhe borbismo, de Borba; denominação vaidosa, além de rude e molesta. E com certeza exprimia menos. Verá, meu caro Brás Cubas, verá que é deveras um monumento; e se alguma cousa há que possa fazer-me esquecer as amarguras da vida, é o gosto de haver enfim apanhado a verdade e a felicidade. Ei-las na minha mão essas duas esquivas; após tantos séculos de lutas, pesquisas, descobertas, sistemas e quedas, ei-las nas mãos do homem. Até breve, meu caro Brás Cubas. Saudades do
Velho amigo
JOAQUIM BORBA DOS SANTOS.
(ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: W. C. Jackson, s. d., p. 275-6.)
130. RESERVA (Oswald de Andrade)
Seu Dr.
Peguei hoje na pena para vos Felicitar os nossos antes Passado sendo um dia de grande gala, para nós no nosso Grande Brasil sendo o dia do nobre Brasileiro Tiradentes que foi ezecutado na forca, mais tudo passa vamos tratar do nosso futuro que é melhor os passado eram bobos, por aqui todos Bom grassas a Deus o mesmo a todos que aí estão. Candoca, Rufina, Delina, Maria José, Bermira e a filha estão todos na mesma. Só eu saí sorteado para o Regemento Suprimetar de Paracatu no Goiás e queria que V. S. desse as providências para mim ficar em Caçapava no Regemento de Infantaria Montada fica mais perto aqui eu estudarei para ser a Luz de minha família. Representar talento com meu falecido avô Capitão Benedito da Força Pública, não estudando agora, quando mais o tempo passa e a Velhice chega conduz a Tristeza, porque este mundo é um passatempo que nós temos essa é a Verdade! Só temos que tratar do Futuro neste mundo não vale nada a Beleza as Festas as Inlusão do mundo só o talento com o grande Rio Branco o Ouro Preto, O Padre feijó, José Bonifácio, Rui Barbosa e outros que nem se sabe.
Seu criado às ordens
Minão da Silva”
(ANDRADE, Oswald de. Memórias sentimentais de João Miramar. Rio de Janeiro: Globo, 1990.)
2. RESPOSTA AO PROFESSOR AFRICANO (Miguel Sanches Neto)
A vida particular de uma pessoa não é algo totalmente isolado da vida pública, principalmente quando estes dois espaços são confundidos. O senhor recebe constantemente em sua casa uma família que tem um filho estudando nesta escola. O aluno também freqüenta a casa do senhor e isso dá a ele credenciais para ser um braço do diretor, usado contra os demais alunos.
Assim, este comportamento particular do senhor diretor interfere, sim, na vida das demais pessoas e é de interesse não só meu, mas de toda a escola. Ele cria privilégios e gera injustiças. Está, portanto, ferindo o direito de outras pessoas. E, na minha opinião, não pode e não deve continuar.
Esse negócio de discriminação dos negros é algo que realmente não entendo. Nasci e cresci em um país em que todas as raças convivem misturadas. Não há, para mim, diferença entre um negro, um japonês ou um alemão. O que há é a diferença entre a pessoa que age corretamente e a que age de forma errada. Logo, discriminação racial não é um assunto sobre o qual eu possa falar, principalmente na {rente do senhor, um português que viveu anos da exploração dos negros de Angola, e que só deixou a África quando Portugal perdeu o poder. Passemos por cima deste item, portanto.
Agora, se o senhor quer saber se tenho procuração para falar em nome da minha turma, aviso que não, mas tenho um abaixo-assinado que vale muito mais. E eu não precisaria nem deste abaixo-assinado porque vivemos num país democrático, onde está assegurado o direito de questionar qualquer abuso de poder. A ditadura acabou há dois anos, senhor diretor. Sinto muito ter que ser o anunciador desta triste novidade.
Ah, mas existem ainda algumas regiões dominadas por Portugal. Quem sabe o senhor não encontre nelas ó ambiente propício para exercer a opressão?
Cordialmente,
Miguel Sanches Neto
(NETO, Miguel Sanches. Chove sobre a minha infância. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 194-5.)
2 comentários:
vamos iniciar este 2009 com muita correspondência: de idéias e ideais!
Raquel
É, deve ser mesmo um ano pleno, principalmente, de ideais. Quanto às ideias, que já perderam até o acento, terei de me esforçar muito.
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