quinta-feira, 1 de março de 2012

A POESIA DE CRISTIANE RODRIGUES DE SOUZA

Cristiane Rodrigues de Souza, a pessoa, é uma jovem recatada, um tanto tímida, e com a delicadeza e a beleza das mulheres predestinadas.
Cristiane Rodrigues Souza, a poeta, é bastante diferente. Não perde, porém, a delicadeza e a sutileza de seus gestos de pessoa, mas solta-se livre, levada pela poesia e esquece a timidez e, em parte, o recatamento próprio de uma jovem senhora. Assim
Assim, à maneira de Adélia Prado, o poema surge erotizado para nele se afirmar que o amor é bom: Depois do amor / nos meus braços ele dorme e sonha com a luz, o som, o ar.... No mesmo poema, quase ao final, confessa: meu corpo comovido em suas mãos cria nele ritmo de noite quente / ele me prende / e me enreda e me leva como as ondas de Creedence. (...)Dentro das técnicas da poesia pós-modernista, Cristiane escreve sobre a própria poesia e, mais, sobre a sua própria poesia: no próprio poema Prece à Arvore do Dragoeiro encontramos exemplo: Deu-me a flor como quem faz poesia sem querer. Há mais, porém. No poema da p. 27, a modo de um heterônimo, ela se refere a si própria: - Cris, aquiete-se!Formalmente, o poema fica na indecisão entre o gênero poesia, versicamente falando, e a prosa poética. Não importa, porém. O que importa é que seus textos se encontram impregnados do poético. Para usarmos termos da crítica estruturalista - formalistas russos, Jakobson, Todorov, Kristeva - podemos afirmar que a sua palavra, como toda palavra poética, quer mostrar-se a si mesma. A linguagem do poema torna-se uma linguagem espessa, própria da poesia, em oposição à linguagem transparente da prosa. Tal estranhamento é a essência da literariedade de seus poemas.
Mas fugindo à critica dos anos 60, para deixar de ser tão retrógrado, podemos afirmar que a sua poeticidade é própria da poesia do Pós-Modernidade, ou seja, da Contemporaneidade. A poeta versa, com propriedade, a metalinguagem, a metapoética, tão emblemática da poesia atual. Além de que busca na intertextualidade algum apoio. Explicitamente, aparecem em seus poemas, uma Itabira drummondiana, misturada à uma primeira estrofe à Cecília Meireles; busca o mesmo amor que Sóror Mariana Alcoforado ficava à espera nas cartas que tardavam, ou que não chegavam às suas mãos; um realismo à Tchékov, o mestre do conto moderno; a música da lira de Anfion da Tebas que a poeta procura às avessas; do som da banda de rock Creedence Clearwater Revival, que costuma embalar a poeta em seus momentos de amor; o ritmo da banda escocesa Travis, que é imitado pelo andar de uma carroça; a visão do personagem do ator, roteirista e diretor Tarantino. De modo implícito, aparece a poesia de Mário de Andrade, em especial, de Pauliceia Desvairada.
Finalizando, algumas palavras sobre o poema Prece à Arvore do Dragoeiro, poema-síntese da sua obra. Pode-se afirmar, embora seja temerário fazer-se qualquer afirmação sobre poética e poesia, mas insisto talvez no erro. Esse poema é o que desencadeia os demais. Pode ser, inclusive, que muitos deles sejam anteriores ao contato com tal árvore, na Ilha da Madeira, mas a seleção feita para a publicação nos leva a pensar em tal possibilidade. Se diacronicamente, os poemas possam ser de épocas anteriores, unificados pela sincronia, eles desfilam após Prece à Arvore do Dragoeiro. O poema é também síntese da poética de Cristiane Rodrigues de Souza na obra lida: a poesia é algo que se dá, ou seja, é alguma coisa que se oferece de graça aos visitantes, mesmo aqueles que permanecem apenas um minuto à sua sombra, o tempo em que se lê um dos poemas da poeta. É ainda algo que se desprende do poeta, como a folha se desprende da árvore, e sobre a sombra do lirismo de Cristiane Rodrigues de Souza nós nos quedamos.

5 comentários:

Cristiane Rodrigues disse...

Caro professor Jayme,
agradeço muito pelo seu texto, que revela leitura cuidadosa e atenta dos poemas do Dragoeiro, assim como pelos elogios à Cristiane-pessoa e à Cristiane-poeta! obrigada, especialmente, pelas palavras finais: gostei da imagem de leitores à sombra do lirismo do livro... Um grande abraço

raquel disse...

O texto postado fala de pós-modernidade, metalinguagem e relações intertextuais. Mas fala, antes de tudo, de LIRISMO. Gosto muito dessa concepção de poesia, compartilhada por Cristiane e pelo blogueiro: algo que se dá, se desprende, se oferece gratuitamente. É bom sentir-se advertido de que prisões e cobranças são o oposto do poético. Fiquemos com o poético do Dragoeiro da Cris, flores que o blogueiro leu com tanto carinho.

Cristiane Rodrigues disse...

O texto postado é realmente belo, principalmente, como disse a Raquel, por destacar o lirismo e por ter sido escrito com muito carinho. Por isso agradeço ao querido Jayme. Quero agradecer também à Raquel, amiga que sabe apontar o lirismo de flores de dragoeiros.

Jayme Ferreira Bueno disse...

Cristiane,
a sua poesia merecia mais e melhores comentários.
Fico feliz por ter gostado do que escrevi. A Cristiane-pessoa e a Cristiane-poeta merecem tudo o que se disser de bom de si (uso do português de Portugal)e de seus poemas.
Abraços, Jayme

Jayme Ferreira Bueno disse...

Raquel,
Já nos anos de 1950, na Revista Távola Redonda, David Mourão-Ferreira já perguntava em um artigo Lirismo, ou haverá outro caminho?
Pode haver, mas, ficarei com o lirismo, como o descreveu Émil Staiger, em Conceitos Fundamentais da Poética.
Até, Santiago de Compostela,
Jayme.