A poeta Cristiane, que vive em Ribeirão Preto, é nascida em Adamantina, também no estado de São Paulo. Cresceu na pequena Irapuru, outra cidade paulista. Bastante jovem, é mestre em Letras pela UNESP de Araraquara e atualmente doutoranda pela USP. Com formação também em música tem estudado a poesia de Mário de Andrade em relação com a crítica de música desse autor.
Em seu livro Clã do jabuti: uma partitura de palavras. (São Paulo: Annablume, 2006), Cristiane faz, segundo comentário contido na própria obra, “Uma análise crítica da obra poética de Mário de Andrade, focalizando o livro Clã do Jabuti (1927), em que se evidencia a discussão de conceitos musicais em meio à escrita dos versos, demonstrando a construção de um projeto de escrita poética que, embora se arme em muitas faces, encontra na musicalidade a síntese maior”.
Em parecer sobre o estudo da jovem autora, diz a professora e crítica literária, também estudiosa de Mário de Andrade, Laura Beatriz Fonseca de Almeida: “O livro de Cristiane Rodrigues de Souza - Clã do Jabuti: uma partitura de palavras - é uma contribuição valiosa para os estudos críticos da obra poética de Mário de Andrade. As faces plurais do sujeito poético instigaram a leitora sensível a uma pesquisa analítica dos versos do poeta com objetivo maior de apreender a voz musical e folclórica do sujeito lírico, síntese da pluralidade das vozes que ressoa na voz moderna do sujeito lírico marioandradino”.
Eu tive a felicidade de a conhecer, apresentada por minha filha Raquel, na Universidade da Madeira, em Funchal. Nós três apresentamos trabalhos no IX Congresso Internacional de Lusitanistas, em agosto de 2008. Por essa breve convivência e grande admiração, não resisti a fazer comentário sobre cada poema. Os poemas devem ser lidos. Os comentários são dispensáveis.
Agora, a voz poética de Cristiane Rodrigues de Souza:
POEMA
Estas minhas asas leves, o respirar curto.
O Sol claro claro em meus olhos
e a música inconstante escondida...
É que vim de Irapuru, minha Itabira.
As“asas leves” e o “respirar curto” anunciam a leveza e a brevidade do texto. Mas há nele espaço suficiente para o Sol, para muita claridade e para uma música que sempre se esconde em sua variável forma de aparecer. É o modo de ser de alguém que deseja buscar no passado de uma cidadezinha a complexidade da poesia de um retrato na parede, a sua Itabira. É o existencial que está em Drummond e está também em Cristiane Rodrigues de Souza.
NA MORADA DO SUBLIME
No pico mais alto da Madeira,
falei com pedras pálidas e com florezinhas rasteiras amarelas.
Olhei o vento e o seu verde esmaecido,
fiquei sem ar no meio do ar livre do Atlântico
e me comovi com a queda perpétua dos abismos desejosos do alto.
No silêncio amplo dos precipícios infindáveis do pico mais alto da Madeira,
ouvi a música surda feita de notas nascidas nos infernos de seus fundos.
E sobrevivi.
Agora pago a pena eterna por ter fitado os olhos incandescentes do Sublime
e ter ouvido o seu recado indecifrável,
sem nunca nunca ser capaz de redizê-lo.
Mas no pico mais alto da Madeira,
respondi à música dos Infindáveis
com meu recado também surdo também inconcebível.
E o Sublime está lá até agora nos seus socavões tentando decifrá-lo.
Porque ele também sobreviveu aos meus olhos.
Os poemas começam pelo título. Este é um exemplo claro. É só observar a ambigüidade expressa em “na morada do sublime”: o Sublime que habita os vales profundos da Madeira (“E o Sublime está lá até agora nos seus socavões...”); o enamoramento de alguém pelo Sublime (“Agora pago a pena eterna por ter fitado os olhos incandescentes do Sublime”).
O poema ilustra bem a poesia de tendência metafísica. Lembra bastante os poemas de Teixeira de Pascoais em suas alusões aos altos picos do Marão. E a presença da música eleva mais o sentido de transcendentalidade.
O discurso poético da autora dialoga em conversa muda e, portanto, insondável, inaudível, com o Sublime. Como num ato de vingança por não ter decifrado a mensagem do Sublime vindo dos grotões, ela, do pico mais alto, desafia o Sublime lá nas lapas profundas a decifrarem o seu recado também insondável. É considerável que a poetisa se alteie frente ao Sublime, porque ela se coloca mais alta e, portanto, mais importante. Ela é criadora de poesia.
PRECE À ÁRVORE DO DRAGOEIRO
(Para Raquel Illescas Bueno)
eu pedi aquela flor
eu pedi eu pedi
aquela flor!
como quem dá comida a pássaros
a árvore desprendeu-se dela
e ma ofertou
deu-me a flor como quem faz poesia sem querer:
um movimento de alma trepidou de leve seu tronco
e desgalhou lirismo sobre as visitantes
sorri de volta e passei
como antes tantos outros milhares pousados no minuto de sua sombra
A árvore existe de verdade no pátio do Restaurante O Dragoeiro, que mira o mar em frente e os edifícios ao alto, na cidade de Funchal. A Raquel também existe e é sua colega de USP e de viagem à Ilha da Madeira. Só o que não existia ainda era o poema de Cristiane. Agora tudo se completa. Duas jovens, uma flor, o sotaque e o estilo lusitanos da árvore que, para a poetisa “ma ofertou” a flor. Uma flor, puro lirismo, e que é autêntica poesia.
A transitoriedade daquele encontro é imposta pelo convívio efêmero, porque nós passamos por tantos e são tantos que passam por nós. Só a poesia permanece.
Em seu livro Clã do jabuti: uma partitura de palavras. (São Paulo: Annablume, 2006), Cristiane faz, segundo comentário contido na própria obra, “Uma análise crítica da obra poética de Mário de Andrade, focalizando o livro Clã do Jabuti (1927), em que se evidencia a discussão de conceitos musicais em meio à escrita dos versos, demonstrando a construção de um projeto de escrita poética que, embora se arme em muitas faces, encontra na musicalidade a síntese maior”.
Em parecer sobre o estudo da jovem autora, diz a professora e crítica literária, também estudiosa de Mário de Andrade, Laura Beatriz Fonseca de Almeida: “O livro de Cristiane Rodrigues de Souza - Clã do Jabuti: uma partitura de palavras - é uma contribuição valiosa para os estudos críticos da obra poética de Mário de Andrade. As faces plurais do sujeito poético instigaram a leitora sensível a uma pesquisa analítica dos versos do poeta com objetivo maior de apreender a voz musical e folclórica do sujeito lírico, síntese da pluralidade das vozes que ressoa na voz moderna do sujeito lírico marioandradino”.
Eu tive a felicidade de a conhecer, apresentada por minha filha Raquel, na Universidade da Madeira, em Funchal. Nós três apresentamos trabalhos no IX Congresso Internacional de Lusitanistas, em agosto de 2008. Por essa breve convivência e grande admiração, não resisti a fazer comentário sobre cada poema. Os poemas devem ser lidos. Os comentários são dispensáveis.
Agora, a voz poética de Cristiane Rodrigues de Souza:
POEMA
Estas minhas asas leves, o respirar curto.
O Sol claro claro em meus olhos
e a música inconstante escondida...
É que vim de Irapuru, minha Itabira.
As“asas leves” e o “respirar curto” anunciam a leveza e a brevidade do texto. Mas há nele espaço suficiente para o Sol, para muita claridade e para uma música que sempre se esconde em sua variável forma de aparecer. É o modo de ser de alguém que deseja buscar no passado de uma cidadezinha a complexidade da poesia de um retrato na parede, a sua Itabira. É o existencial que está em Drummond e está também em Cristiane Rodrigues de Souza.
NA MORADA DO SUBLIME
No pico mais alto da Madeira,
falei com pedras pálidas e com florezinhas rasteiras amarelas.
Olhei o vento e o seu verde esmaecido,
fiquei sem ar no meio do ar livre do Atlântico
e me comovi com a queda perpétua dos abismos desejosos do alto.
No silêncio amplo dos precipícios infindáveis do pico mais alto da Madeira,
ouvi a música surda feita de notas nascidas nos infernos de seus fundos.
E sobrevivi.
Agora pago a pena eterna por ter fitado os olhos incandescentes do Sublime
e ter ouvido o seu recado indecifrável,
sem nunca nunca ser capaz de redizê-lo.
Mas no pico mais alto da Madeira,
respondi à música dos Infindáveis
com meu recado também surdo também inconcebível.
E o Sublime está lá até agora nos seus socavões tentando decifrá-lo.
Porque ele também sobreviveu aos meus olhos.
Os poemas começam pelo título. Este é um exemplo claro. É só observar a ambigüidade expressa em “na morada do sublime”: o Sublime que habita os vales profundos da Madeira (“E o Sublime está lá até agora nos seus socavões...”); o enamoramento de alguém pelo Sublime (“Agora pago a pena eterna por ter fitado os olhos incandescentes do Sublime”).
O poema ilustra bem a poesia de tendência metafísica. Lembra bastante os poemas de Teixeira de Pascoais em suas alusões aos altos picos do Marão. E a presença da música eleva mais o sentido de transcendentalidade.
O discurso poético da autora dialoga em conversa muda e, portanto, insondável, inaudível, com o Sublime. Como num ato de vingança por não ter decifrado a mensagem do Sublime vindo dos grotões, ela, do pico mais alto, desafia o Sublime lá nas lapas profundas a decifrarem o seu recado também insondável. É considerável que a poetisa se alteie frente ao Sublime, porque ela se coloca mais alta e, portanto, mais importante. Ela é criadora de poesia.
PRECE À ÁRVORE DO DRAGOEIRO
(Para Raquel Illescas Bueno)
eu pedi aquela flor
eu pedi eu pedi
aquela flor!
como quem dá comida a pássaros
a árvore desprendeu-se dela
e ma ofertou
deu-me a flor como quem faz poesia sem querer:
um movimento de alma trepidou de leve seu tronco
e desgalhou lirismo sobre as visitantes
sorri de volta e passei
como antes tantos outros milhares pousados no minuto de sua sombra
A árvore existe de verdade no pátio do Restaurante O Dragoeiro, que mira o mar em frente e os edifícios ao alto, na cidade de Funchal. A Raquel também existe e é sua colega de USP e de viagem à Ilha da Madeira. Só o que não existia ainda era o poema de Cristiane. Agora tudo se completa. Duas jovens, uma flor, o sotaque e o estilo lusitanos da árvore que, para a poetisa “ma ofertou” a flor. Uma flor, puro lirismo, e que é autêntica poesia.
A transitoriedade daquele encontro é imposta pelo convívio efêmero, porque nós passamos por tantos e são tantos que passam por nós. Só a poesia permanece.
9 comentários:
Fico muito contente de ver on line os poemas tão sensíveis da Cristiane. Torço pra que esse seja um momento propício, e que, entre tese, teatro, vida cotidiana ela encontre tempoespaço para novas criações.
Muito obrigada, professor Jayme! Muito obrigada, Raquel!
Os comentários sobre os poemas são lindos! Fico muito feliz e comovida ao lê-los.
Abraços da sempre amiga
Cristiane
Obrigado, raquel, pelo comentário.
Pelo pouco que conheço da Cristiane, ela me parece muito organizada e sem dúvida dará conta de todas as suas atividades, agora acrescidas de aulas na SEMAR.
Cristiane, não precisa agradecer. Você e a sua poesia merecem um estudo mais aprofundado e não os pequenos comentários que fiz.
Parabéns pelos poemas e pelo êxito sempre crescente.
Um espaço e vidas se entrelaçam.
Leveza...
Oi, Rô
que bom que continua acessando o Blog.
Obrigado
Olá, Rô
Obrigada pelo comentário!
oi Cris
Fiquei muito feliz ao encontrar seus textos, parabéns por eles, são sensíveis e traduzem muito de sua leveza.
um abraço
Naiá
Obrigada, Naiá!
Adorei saber que você leu os poemas!
Beijos!
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