terça-feira, 21 de outubro de 2008

A CONTRIBUIÇÃO FEMININA PARA A POESIA DE TÁVOLA REDONDA

A Revista Távola Redonda, publicada em Lisboa, de 1950 a 1954, incluiu um número grande de poetas. Aproximadamente oitenta colaboradores passaram pelos vinte Fascículos editados. É marcante também o número de colaboradoras. Foram doze poetisas que, em conjunto, deram mais de cinqüenta contribuições poéticas e algumas delas com artigos críticos também.
Para citar as mais influentes na Revista, selecionamos três, as que aparecem com maior freqüência nas páginas de Távola Redonda. O nome da colaboradora vem seguido dos números da Revista em que elas contribuíram: 1. Fernanda Botelho (1, 2, 4, 6, 7, 8, 10, 12, 14, 19 e 20); 2. Maria Manuela Couto Viana (2, 6, 7, 12, 19 e 20); e 3. Terezinha Éboli (9, 10 e 12), poetisa brasileira.
Outra característica importante de Távola Redonda foi abrigar poetas e poetisas de inúmeros outros países da Europa e da América. Do Brasil, participaram Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Jorge de Lima, além da poetisa Terezinha Éboli. Apareceram poetas de língua latina, Catulo; inglesa, Elliot e Ezra Pound; francesa; italiana e outras.

FERNANDA BOTELHO
A poetisa que mais colaborou em Távola Redonda, em número e qualidade, foi, sem dúvida, Fernanda Botelho. Participou, inclusive, do primeiro grupo, aquele que idealizou e fundou a Revista e que incluía David Mourão-Ferreira, António Manuel do Couto Viana e Luiz de Macedo.
Fernanda Botelho nasceu de família de literatos. É sobrinha-neta do romancista naturalista Abel Botelho e aparentada do prosador do Romantismo, Camilo Castelo Branco. Iniciou seus estudos de Filologia Clássica na Universidade de Coimbra curso que concluiu na Universidade de Lisboa.
Ela é a poetisa que no grupo de Távola Re­donda pode ser classificada de original. A originalidade da sua poesia resulta de um conjunto de fatores que incluem aspectos de construção aliados a uma temática que amiúde surpreende o leitor. O geometrismo de suas imagens (As Coordenadas Líricas, fasc. 10, p. 1; Habitat, fasc. 1, p. 6); o reaproveitamento de formas tradicionais (Cantar de amigo, fasc. 1, p. 6), a ironia com que versa assuntos do quotidiano (Matrimónio, fasc. 1, p. 6); a expressão lírica do amor impossível (Al­tura; fasc. 1, p. 6) são elementos que tomam a sua poesia revitalizada. Destas características, a mais notada e referida pela crítica foi o geometrismo. A ela assim se refere David Mourão-Ferreira: "Em Femanda Botelho, tudo se converte em linhas, figuras, sombras e volumes, num desejo inconseiente de geometrização..." Sobre a ironia, o mesmo crítico e colega de revista afirma: "A sua poesia encerra uma grande ironia". Mais tarde a própria poetisa se manifesta sobre a ironia: em entrevista dada ao jornal português Público, de 16 de agosto de 2003, afirma: “Nem na morte vou perder a ironia”.
Fernanda Botelho, depois da fase poética de Távola Redonda, passou-se para o romance. O conjunto de sua obra registra o primeiro livro, que foi de poesia, exatamente na éppoca de Távola Redonda: Coordenadas Líricas (1951).Depois vieram os romances: O Enigma das Sete Alíneas (1956), O Ângulo Raso (1957), A Gata e a Fábula (1960), Xerazade e os Outros (1964), Lourenço é nome de Jogral (1971), Esta Noite Sonhei com Brueghel (1987), para citar os mais reconhecidos pela crítica. A última obra que se registra é As Contadoras de Histórias (1998). Eu, particularmente, considero as três grandes obras de Fernanda Botelho, no romance, A Gata e a Fábula (1960), Xerazade e os Outros (1964) e Esta Noite Sonhei com Brueghel (1987).
A poetisa e escritora nascida no Porto, faleceu em 11 de dezembro de 2007. O Blog Nothingandall assim noticiou: "Morreu hoje a escritora e poetisa portuguesa e portuense Fernanda Botelho" e afirma: "Lembrar os poetas (com os poemas que fizeram e marcaram e marcam as nossas vidas) nas datas que marcaram as vidas deles". Essa afirmação coincide com a António Manuel Couto Viana, um dos colegas da escritora na redação de Távola Redonda: - "A homenagem a um Poeta que morreu / É decorar-lhe os versos".
Para homenageá-la e para ilustrar a sua poesia, aquela publicada em Távola Redonda, seguem três poemas:

AS COORDENADA LÍRICAS

Desviou-se o paralelo um quase nada
e tudo escureceu:
era luz disfarçada em madrugada
a luz que me envolveu

A geométrica forma de meus passos
procura um mar redondo.
Levo comigo, dentro dos meus braços,
oculto, todo o mundo.

Sozinha já não vou. Apenas fujo
às negras emboscadas.
Em cada esfera desenho o meu refúgio
— as minhas coordenadas.

MOTIVO

Jardineira rosada no sol quente
(esperança renovada em cada ano),
o lenço encarnado e o dom profano
de vigorar o esforço da semente.

Curvada como um lírio em tarde amena,
árvore criadora e aquecida,
ela aí está, solene, dando vida
às batatas, às flores e ao meu poema.

CANTAR DE AMIGO

Bailada, bailia
que eu jás sei bailar.
E agora só queria
aprender a amar.

Ao entrar na roda,
soltou-se-me a liga.
E agora há quem diga
que não foi na roda.

Bailada, bailia
que eu já sei bailar.
E agora só queria,
mas não posso, amar.


CONCLUSÃO
Távola Redonda filiou-se à poesia lírica portuguesa tradicional. Assim, preferiu uma atitude de não-participação ativa no momento histórico, a não ser por uma espécie de ceticismo, que foi característica de grande parte da poesia da década de cinqüenta. Esse sentimento em relação aos destinos políticos do mundo, e em especial de Portugal, aliado a um ideário de índole subjetiva, levou a revista a uma retomada do lirismo.
A posição que Revista assumiu de um aparente não-compromisso com o social levou a sua produção a se voltar para um neo-esteticismo, a ponto de fazer da temá­tica da própria poesia uma de suas preocupações fundamentais. Como decorrência dessa retomada do lirismo e da preocupação estética, Távola Redonda fez renascer em Portugal a atmosfera poética, ausente em grande parte da poesia da década anterior.


4 comentários:

raquel disse...

fico curiosa por saber quais poemas a Cecília publicou ali. A informação está no teu livro?

Jayme Ferreira Bueno disse...

Oi, Raquel
A Cecília, na época, era considerada lá uma poetisa portuguesa, por conta da sua origem açoriana.
Vou postar alguns poemas, mas satisfazendo sua curiosidade, os poemas publicados são: Improviso; 14.ª Canção; 15.ª Canção; e Sorte.
Obrigado pelo comentário.

paty disse...

Sr. Jayme!
Gostei de conhecer seu blog!
Achei interessante esta matéria, especialmente a poesia sobre o amigo.
Além do conteúdo, prestei bastante atenção na estrutura do texto, concordância e regência, pois estou tentando melhorar minha redação no trabalho.
Obrigada e parabéns!

Jayme Ferreira Bueno disse...

Paty,
Obrigado por haver gostado do Blog. Um texto escrito é sempre referência para outros. Creio que a melhpor maneira de melhorar a redação (eu que por tanto tempo ensinei essa disciplina em Colégios e Universidades) é mesmo espelhando-se nos bons autores e tendo vontade firme de aproveitar todas as lições. Tudo isso só se consegue escrevendo.
Boa sorte!