quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A CONTRIBUIÇÃO FEMININA BRASILEIRA EM TÁVOLA REDONDA

Recentemente, postei texto sobre a contribuição feminina em Távola Redonda. No texto, ative-me a poetisas portuguesas. Em comentário dos leitores, fui perguntado sobre que poemas de Cecília Meireles haviam sido publicados na Revista. É que, ao fazer menção aos colaboradores, fiz referência a que poetas e poetisas do Brasil haviam também publicado em Távola Redonda.
Hoje, para complementar o texto sobre a contribuição feminina, escreverei sobre as duas poetisas do Brasil. Uma delas é a celebrada Cecília Meireles; a outra, a pouco conhecida Terezinha Éboli.
Cecília Meirelles, embora considerada por alguns críticos portugueses como uma poetisa mais portuguesa do que brasileira, foi publicada somente no Fascículo 12 da Revista, em março de 1952. Terezinha Éboli, também bastante prestigiada em Portugal, principalmente na revista Távola Redonda, apareceu com bastante freqüência e teve, além de poemas, uma nota breve sobre sua trajetória como poetisa. Publicou poemas em três Fascículos: 9, 10 e 12.
Sobre Cecília Meireles, o grande historiador, crítico e teórico português da literatura, Hernâni Cidade, com várias obras e ensaios sobre autores portugueses e brasileiros, afirma no mesmo Fascículo 12: “No concerto de Poetas brasileiros, seus contemporâneos a voz de Cecília Meireles é uma voz solitária. Em Portugal, sempre a sua obra obteve uma maior audiência não porque ela seja mais portuguesa que brasileira, como insinuaram alguns críticos...”. E continua o crítico a explicar o motivo de sua maior audiência e maior reconhecimento em Portugal do que no Brasil: “A extraordinária categoria poética de Cecília Meireles foi mais cedo reconhecida entre nós, principal­mente porque uma geração literária - a geração da Presença - havia criado, em Portugal, um ambiente propício à aceitação de mensagens líricas como a sua...”.

De Cecília Meireles os poemas publicados em Távola Redonda foram quatro:

IMPROVISO

Já não tenho lágrimas.
Estão caídas
longe, em vagas margens
qual mornas ovelhas
recém-nascidas.

Longe estão caídas,
entre esses montes
de saudades vivas,
de figuras frias,
ai! De que horizontes...

Suspirosos montes!
Porém agora
Talvez não me encontrem.
A alma se me esconde
- nada mais chora.


SORTE

Como os passivos afogados
Esperando o tempo da areia,
Pelo mar de inúmeros lados
Veio tão venturosa e alheia
Que para mim a noite é o dia
Vê o mesmo sol sem ocaso,
E o que eu queria e não queria
Aceitaram seu justo prazo.

E nem me encontra, quem me espera,
Nem o que esperei foi havido,
Tanto me ausento desta esfera.

- Ó liberdade sem tormento!
ó fitas soltas, ó cortinas
levadas por um amplo vento
além de campos e colinas!
vencendo sucessivos planos,
abrindo mundos encobertos,
chegando aos reinos sobrehumanos
onde há jardins sobre os desertos!

A alma do sonho fez-se ouvido
tão vertiginoso e profundo
que aceita o recado perdido
dos ocultos donos do mundo.

14.ª CANÇÃO


Venturosa de sonhar-te,

à minha sombra me deito.
(Teu rosto, por toda parte,
mas, amor, só no meu peito!)

–Barqueiro, que céu tão leve!
Barqueiro, que mar parado!
Barqueiro, que enigma breve,
o sonho de ter amado!

Em barca de nuvem sigo:
e o que vou pagando ao vento
para levar-te comigo
é suspiro e pensamento.

–Barqueiro, que doce instante!
Barqueiro, que instante imenso,
não do amado nem do amante:
mas de amar o amor que penso!

15.ª CANÇÃO

Respiro teu nome.

Que brisa tão pura
súbito circula
meu coração.

Respiro teu nome.
Repentinamente,
de mim se desprende
a voz da canção.

Respiro teu nome.
Que nome? Procuro...
- Ah teu nome é tudo.
E é tudo ilusão.

Respiro teu nome.
Sorte. Vida. Tempo.
Meu contentamento
é límpido e vão.

Respiro teu nome.
Mas teu nome passa.
Alto é o sonho. Rasa,
minha breve mão.

Com referência a Terezinha Éboli, Távola Redonda, a Revista publica uma nota em que apresenta a poetisa: “Terezinha Éboli pertenceu ao grupo de Orfeu – a revista que, em 1942, veio impor uma nova geração e uma nova estética”. Informa também a nota que desse grupo saíram os poetas Pedro Ivo, Fernando Ferreira de Loanda, Afonso Félix de Sousa e Fred Pinheiro. Na época em que saiu o Fascículo 9, a poetisa pertencia à direção da revista Cronos. O poema MOTIVO INFANTIL BRASILEIRO, editado no Fascículo 12, vem com a indicação de que pertence ao livro Andante Tranqüilo.
De Terezinha Éboli, Távola Redonda publicou seis poemas, que são:

TE J O
Ao Tejo cheguei
ouvindo coisas de acalentar.
Era cedo ainda.

Mulheres de cesto bravos...
- Quanto vale teu peixe, rapariga!
- Não mais que a vida, senhora,
um sorriso vale mais.

Mulheres de cestos bravos
de ciranda a cirandar
só de filhos já vão dez
e uma varina miúda
que fome não há-de passar.

Era cedo ainda.
e o Tejo a me contar...

PESCA PARTIDA

De que noite vieram
teus olhos em concha
pejados de mar?

De que cenas frias
de vagas quebrando
a fímbria dos olhos
a sublinhar caminhos?

Oh! Belos que se vão
outros que se quedam
feridos na areia
nem gestos têm
que os regressem ao mar!

NEGRINHOS DE S. VICENTE

Vêm vindo os negrinhos de S. Vicente
Remando pra cá
De mãos estendidas vendendo colar.

E os que ficam de longe
Calçados de pedras pontudas
Estão paralisados de mãos estendidas no ar.

Esperam moedas
e estão fixados
nos dias de Portugal.

S. Vicente do Cabo Verde é santo?
Que contas nos dás das olheiras profundas
que assim mesmo sobre o negro se vê
nos negrinhos de tua ilha?

CICLO DELIRANTE

Dormir nas escarpas das montanhas
- ao mesmo tempo terra e sonho - ,

Rolar pelas esferas do tempo
antes de ser sonolenta
e voltar, um século, ou dois,
na condição de um peixe-poema.

Dos lábios dos meninos coloridos
Fazer dois olhos.
Das mãos fiandeiras
barbatanas caladas.
Peixe que dança
peixe que pensa do mundo
um segredo profundo.

Eleito guardião das conchas vazias
rápido deslisar
para enchê-las de corpos brancos e negros
dos suicídios deste século.

(A terra não dá mais)

E quando estiver cansado
dos movimentos iguais
desprender-se das ondas
e voltar, talvez muito mais tarde
como um pássaro molhado.

HERANÇA

Mais que a coragem do mar
ficou em mim:
folhas caídas
em ermos jardins
e a fuga dos remos
no dorso de um rio.

(Cabelos brancos são de agora)

De tanto mar sou feita! Tenho tanto sa1 nas veias
e sargaços em minhas mãos
que já não sei se sou eu
ou se é alguém do outro lado.

O que ficou do ser humano
muito pouco, quase nada...
Por isso agora
sou muito mais solidão.

MOTIVO INFANTIL BRASILEIRO

A chuva toda por sobre a serra
é um corpo mole, branco e sereno.
e a faixa loura da longa estrada .
é um grito vivo que diz, gritando:

“Menino tonto, de pés no chão,
que vendes frutas aos trens que passam,
vai para casa, Luís, José, Pedro e João!”

Adiante, gritando mais:
“Saia do rio, menina nua,
A chuva é forte, a água é fria!”

E ao moleque, todo pretinho,

Rindo e bebendo água do céu:
“Olha as palmadas! E as tuas frutas, se apanhas febre?”

E a chuva sempre por sobre a serra...
(- Aqui, moça, banana ouro...)
Vai despencando
E vai banhando a estrada longa que vai calando:
“vai para casa menino tonto...”

- Quê que adianta, moça?
A chuva chove também lá dentro...

4 comentários:

raquel disse...

Sobre a linguagem da Cecília, Miguel Sanchez Neto escreveu:

"Avessa ao sentimento estético separatista, ela se apossa de uma palavra agregadora, por sentir de forma aguda a fugacidade de tudo. Afastada do centro da poética modernista, manejando uma língua intemporal, ela deu continuidade a uma tradição lírica ibérica, trilhando a contramão dos rumos poéticos de nossa modernidade, que negou justamente a conexão com a cultura portuguesa, em nome da afirmação do local ou por deslumbramento por culturas mais avançadas tecnicamente."

raquel disse...

e eu nunca tinha ouvido falar de Terezinha Éboli, que me parece ter sofrido influência da Cecília. Ou não...

Jayme Ferreira Bueno disse...

Pelos poucos poemas que li de Terezinha Éboli, restritos aos publicados em Távola Redonda, penso que, naqueles mais descompromissados com a realidade,
nota-se uma certa influência de Fernando Pessoa. Nos que poetizam uma certa realidade brasileira ou de outros países socialmente carentes, há um pouco de realismo, que me faz lembrar certos poetas do Modernismo brasileiro.

Jayme Ferreira Bueno disse...

É, Miguel Sanchez Neto, coincide com Hernâni Cidade no modo de ver a poética de Cecília Meireles, o que prova ser ele um grande crítico literário, além de excelente ficcionista.
Quanto à Éboli, nada encontrei, nem mesmo sobre a revista Orfeu (que não é a Orpheu de Fernando Pessoa e Mário de Sá-carneiro), nem sobre a Cronos.
Quem conhecer Terezinha Éboli e a sua poesia poderá manifestar-se, pelo que agradecemos.