Cristiane Rodrigues de Souza, a pessoa, é uma jovem recatada, um tanto tímida, e com a delicadeza e a beleza das mulheres predestinadas.
Cristiane Rodrigues Souza, a poeta, é bastante diferente. Não perde, porém, a delicadeza e a sutileza de seus gestos de pessoa, mas solta-se livre, levada pela poesia e esquece a timidez e, em parte, o recatamento próprio de uma jovem senhora. Assim
Assim, à maneira de Adélia Prado, o poema surge erotizado para nele se afirmar que o amor é bom:
Depois do amor / nos meus braços ele dorme e sonha com a luz, o som, o ar.... No mesmo poema, quase ao final, confessa:
meu corpo comovido em suas mãos cria nele ritmo de noite quente / ele me prende / e me enreda e me leva como as ondas de Creedence. (...)Dentro das técnicas da poesia pós-modernista, Cristiane escreve sobre a própria poesia e, mais, sobre a sua própria poesia: no próprio poema Prece à Arvore do Dragoeiro encontramos exemplo: Deu-me a flor como quem faz poesia sem querer. Há mais, porém. No poema da p. 27, a modo de um heterônimo, ela se refere a si própria:
- Cris, aquiete-se!Formalmente, o poema fica na indecisão entre o gênero poesia, versicamente falando, e a prosa poética. Não importa, porém. O que importa é que seus textos se encontram impregnados do poético. Para usarmos termos da crítica estruturalista - formalistas russos, Jakobson, Todorov, Kristeva - podemos afirmar que a sua palavra, como toda palavra poética, quer mostrar-se a si mesma. A linguagem do poema torna-se uma linguagem espessa, própria da poesia, em oposição à linguagem transparente da prosa. Tal estranhamento é a essência da literariedade de seus poemas.
Mas fugindo à critica dos anos 60, para deixar de ser tão retrógrado, podemos afirmar que a sua poeticidade é própria da poesia do Pós-Modernidade, ou seja, da Contemporaneidade. A poeta versa, com propriedade, a metalinguagem, a metapoética, tão emblemática da poesia atual. Além de que busca na intertextualidade algum apoio. Explicitamente, aparecem em seus poemas, uma Itabira drummondiana, misturada à uma primeira estrofe à Cecília Meireles; busca o mesmo amor que Sóror Mariana Alcoforado ficava à espera nas cartas que tardavam, ou que não chegavam às suas mãos; um realismo à Tchékov, o mestre do conto moderno; a música da lira de Anfion da Tebas que a poeta procura às avessas; do som da banda de rock Creedence Clearwater Revival, que costuma embalar a poeta em seus momentos de amor; o ritmo da banda escocesa Travis, que é imitado pelo andar de uma carroça; a visão do personagem do ator, roteirista e diretor Tarantino. De modo implícito, aparece a poesia de Mário de Andrade, em especial, de
Pauliceia Desvairada.
Finalizando, algumas palavras sobre o poema Prece à Arvore do Dragoeiro, poema-síntese da sua obra. Pode-se afirmar, embora seja temerário fazer-se qualquer afirmação sobre poética e poesia, mas insisto talvez no erro. Esse poema é o que desencadeia os demais. Pode ser, inclusive, que muitos deles sejam anteriores ao contato com tal árvore, na Ilha da Madeira, mas a seleção feita para a publicação nos leva a pensar em tal possibilidade. Se diacronicamente, os poemas possam ser de épocas anteriores, unificados pela sincronia, eles desfilam após Prece à Arvore do Dragoeiro. O poema é também síntese da poética de Cristiane Rodrigues de Souza na obra lida: a poesia é algo que se dá, ou seja, é alguma coisa que se oferece de graça aos visitantes, mesmo aqueles que permanecem apenas um minuto à sua sombra, o tempo em que se lê um dos poemas da poeta. É ainda algo que se desprende do poeta, como a folha se desprende da árvore, e sobre a sombra do lirismo de Cristiane Rodrigues de Souza nós nos quedamos.