sexta-feira, 13 de novembro de 2009

GÊNIO E GÊNIOS – UM ESTUDO MAGISTRAL DE HAROLD BLOOM

O gênio Harold Bloom, professor universitário, teórico e crítico literário (New York, 1930.)
I - A OBRA
Um livro decididamente de peso nos dois sentidos é Gênio: os 100 autores mais criativos da História da Literatura, de Harold Bloom, publicado em 2002, pela Objetiva. Em mais de 800 páginas o autor enumera, segundo ele, os mais importantes escritores e poetas da Literatura Universal. Seria difícil tentar transcrever apenas alguns nomes, porque realmente todos são bem conhecidos e merecidamente famosos. A única solução é listá-los todos por blocos de Lustros, como fez o autor.
(Observação, aqui, como explica Bloom, Lustro, não significa apenas espaço de cinco anos. Como na obra cada conjunto de dez se encontra regido por um sefirah, o Lustro, ou seja a metade desse espaço, também está regido por esse mesmo safirah). Portanto, são dez os safirat, mas vinte os Lustros. Para cada dois Lustros de um mesmo conjunto de dez há um mesmo safirah.
Um sefirah faz parte do conjunto dos sefirot. Estes, por sua vez, segundo Bloom “constituem o centro da Cabala, pois pretendem representar a interioridade de Deus, os segredos do caráter e da personalidade divina. São atributos do gênio de Deus, em todos os sentidos em que o termo “gênio” é empregado neste livro”.
O livro é todo ele cabalístico. Assim, o próprio autor define Lustro, que na Cabala possui um sentido especial: “Lustros, nesse sentido, refere-se ao brilho decorrente da luz refletida, o lustre, o esplendor de um gênio refletido em outro...
(p. 19).
Aqui seguem os 20 Lustros com seus correspondentes sefirah e os literatos neles incluídos (cinco por Lustro):
Lustro I: Keter - Shakespeare, Cervantes, Montaigne, Milton, Tolstói.
Lustro II: idem - Lucrécio, Virgílio, Santo Agostinho, Dante, Chaucer.
Lustro III: Hokmah - O Javista, Sócrates, Platão, São Paulo, Maomé.
Lustro IV: idem - Samuel Johnson, James Boswell, Goethe, Freud, Thomas Mann.
Lustro V: Binah -Nierzsche, Kierkegaard, Kafka, Proust, Samuel Beckett.
Lustro VI: idem - Molière, Ibsen, Tchekhov, Oscar Wilde, Pirandello.
Lustro VII: Hesed - John Donne, Pope, Jonathan Swift, Jane Austen, Lady Murasaki.
Lustro VIII: idem - Nathaniel Hawthorne, Melville, Charlotte Brame, Emily Jane Brame, Virginia Wolf.
Lustro IX: Din - Emerson, Emily Dickinson, Robert Frast, Wallace Stevens, T. S. Eliot.
Lustro X: idem - Wordsworth, Shelley, Keats, Leopardi, Tennyson.
Lustro XI: Tiferet - Swinburne, Gabriel Rossetti, Christina Rossetti, Walter Pater, Hofmannsthal.
Lustro XII: idem - Victor Hugo, Gérard de Nerval, Baudelaire, Rimbaud, Paul Valéry.
Lustro XIII: Nezat - Homero, Camões, James Joyce, Carpentier, Octavio Paz.
Lustro XIV: idem - Stendhal, Mark Twain, Faulkner, Hemingway, Flannery O'Connor.
Lustro XV: Hod - Walt Whitman, Fernando Pessoa, Hart Crane, García Lorca, Luis Cernuda.
Lustro XVI: idem - Eliot, Willa Cather, Edith Wharton, F. Scott Fitzgerald, Iris Murdoch.
Lustro XVII: Yesod - Flaubert, Eça de Queirós, Machado de Assis, Borges, Italo Calvino.
Lustro XVIII: idem - William Blake, D. H. Lawrence, Tennessee Williams, Rilke, Eugenio Montale.
Lustro XIX: Malkhut - Balzac, Lewis Carroll, Henry James, Robert Browl, Yeats.
Lustro XX: idem - Dickens, Dostoievski, Isaac Babei, Paul Celan; Ellison.
II - COMENTÁRIOS:
1. A listas e listas
Poder-se-ia perguntar por que esses e não outros os literatos listados? Porém, temos de reconhecer que nenhuma lista com o número que fosse de autores iria contentar a todos. Esta parece incluir uma boa e criteriosa seleção, própria do nome do livro e do próprio autor, que é também um gênio. Saudado pelos grandes periódicos, Harold Bloom é: “Um gigante entre os críticos... Seu entusiasmo pela literatura é contagiante” (New York Times Sunday Magazine); “Um mestre do entretenimento” (Newsweek); “Bloom é simplesmente um sacerdote da grandeza humana” (The Iris Time).
Felizmente, nesta seleção de autores, a Literatura Brasileira conta com um representante, e, merecidamente, ele é Machado de Assis. Não poderia aí estar também um poeta, como, por exemplo, Carlos Drummond de Andrade? A nossa coirmã Literatura Portuguesa foi um pouco mais bem aquinhoada (3 nomes): Camões, Fernando Pessoa, Eça de Queirós. E por onde andará Padre Vieira, que não aparece nem na Portuguesa, nem na Brasileira?
2. O grupo do nosso representante
Já que contamos com Machado de Assis incluído no Lustro XVII, regido pelo sefirah Yesod, vamos nos fixar neste grupo e especialmente no autor brasileiro. O nosso representante está ao lado do francês Flaubert, do português Eça de Queirós, do argentino descendente de portugueses e ingleses Borges, e do cubano-italiano Italo Calvino.
Os três primeiros são fundamentalmente romancistas e contistas; o quarto, é mais especificamente contista e filósofo; e o último, além de ficcionista, também é filósofo e crítico literário.
Por estilo de época, Flaubert foi o único verdadeiramente representante do Realismo. Eça de Queiros, embora também realista, é bastante influenciado inicialmente pelo Romantismo e depois pelo Impressionismo. Machado de Assis é um escritor que, embora classificado de realista, pouco tem desse movimento e está acima de qualquer classificação literária. Por isso, tem sido considerado um verdadeiro precursor de determinado tipo de Modernismo e mesmo de Pós-Modernismo, aqueles da introspecção, do psicologismo, do Existencialismo e, portanto, anunciador e muito próximo de autores muito recentes, como o português Virgílio Ferreira e a brasileira Clarice Lispector. Borges, por outro lado, pertence ao que se convencionou chamar de Realismo Mágico, Realismo Fantástico, ou, ainda, Realismo Maravilhoso, frequente em grande parte da literatura hispano-americana do séc. XX. Finalmente, temos Italo Calvino, fiel discípulo de Borges e de suas idéias, e também ele um seguidor do Realismo Fantástico e que segue rumo a uma literatura do absurdo.
3. O nosso representante Machado de Assis
Machado de Assis, como os outros do Lustro XVII, está sob o signo de Yesod, o safirah que, em tradução livre, segundo o autor, significa “fundação” e encerra dois significados afins: “o impulso sexual masculino e o mistério do equilíbrio entre o feminino e o masculino, nos processos naturais”. É também “a base da vida apaixonada”. De modo geral, neste Lustro XVII estão autores marcados pela ironia. Na outra metade, que corresponde ao Lustro XVIII, encontram-se autores que Bloom chama de visionários (William Blake, D. H. Lawrence, Tennessee Williams, Rilke e Eugenio Montale). Estes, porém, não serão tratados aqui.
Da obra de Machado de Assis, depois de transcrever textos de Memórias Póstumas de Brás Cubas, disse Bloom: “O verdadeiro tema de Machado de Assis é a nossa mortalidade, o que não constitui assunto para descaso e gracejo; no caso de Memórias Póstumas de Brás Cubas, o tema enseja uma perspectiva, ao mesmo tempo, distanciada e hilária”.
Sobre o escritor Machado de Assis, assim se referiu o crítico Bloom: “O gênio da ironia propiciou-nos poucos exemplos à altura do escritor afro-brasileiro Machado de Assis, a meu ver o maior literato negro surgido até o presente”. E para concluir o seu parecer, brinca, como brincaria o próprio autor de Memórias Póstumas: “Machado de Assis teria desprezado a minha observação, como mais uma piada digna de Tristram Shandy”.
Tristram Shandy é a personagem principal da obra homônima, de autoria do irlandês Laurence Sterne (1713-1768). Uma das características da personagem Shandy e da própria obra é a transcrição de documentos. Com isso, busca que o seu texto se pareça mais verdadeiro do que ficcional. Essa técnica mais tarde foi bastante empregada na ficção. Esse forma de indicação de fontes às vezes é feita de modo sério e outras vezes como se fosse uma brincadeira.
Sterne, citado por Machado de Assis, emprega uma linguagem constantemente carregada de ironia. Influenciado pelo modo de narrar do escritor irlandês e de um outro, o autor sardo de Viagem à Roda do meu Quarto, Machado de Assis os cita no início de Memórias Póstumas de Brás Cubas: “Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio”.
Paulo Sérgio Rouanet no estudo “Tempo e Espaço na Forma Shandiana: Sterne e Machado de Assis”, sobre “forma shandiana”, afirma: “Ela designa uma atitude entre libertina e sentimental, um sensualismo risonho, um humor afável e tolerante, capaz de perdoar transgressões próprias e alheias, mas também de zombar, sem excessiva malícia, dos grandes e pequenos ridículos do mundo”. Continua Rouanet: “É uma forma caracterizada 1. pela presença constante e caprichosa do narrador, ilustrada enfaticamente pelo pronome de primeira pessoa: "Eu, Brás Cubas ; 2. por uma técnica de composição difusa e livre, isto é, digressiva, fragmentária, não-discursiva; 3. pela interpenetração do riso e da melancolia; e 4. pela subjetivação radical do tempo (os paradoxos da cronologia) e do espaço (as viagens)”.
Foi assim que Machado de Assis no prólogo da 3.ª edição de Memórias Póstumas de Brás Cubas, acrescentou mais um “viajante”, o português Almeida Garrett, de Viagens na Minha Terra. Diz Machado que todos esses realizavam determinado tipo de viagem: “Xavier de Maistre à roda do quarto, Garrett na terra dele, Sterne na terra dos outros. De Brás Cubas se pode dizer que viajou à roda da vida”.

No fragmento, percebe-se a profundeza do velho Machado: o que pode ser mais profundo, difícil e irônico do que “viajar ao redor da vida”. Parafraseando Drummond - Entanto, viajamos “mal rompe a manhã”.
4. Final
Assim são os gênios. Assim é o gênio Machado de Assis. Em todos eles está representada “a interioridade de Deus”, e, portanto, em todos eles se encontra “o espírito de Deus”. E, por fim, deve-se lembrar de que "a arte aproxima o homem do seu Criador” (frase atribuída a vários pensadores do Renascimento e retomada recentemente pelo papa João Paulo II, na Carta aos Artistas): “A música, como todas as linguagens artísticas, aproxima o homem de Deus”.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

CLAUDE LÉVI-STRAUSS – PENSADOR FRANCÊS E AMIGO DO BRASIL

Claude Lévi-Strauss dans son bureau du Collège de France, en 2001 à Paris. (photo : AFP)

Infelizmente, os grandes homens também morrem. Jornais de todo o mundo noticiaram nesta quarta-feira, 4 de novembro, a morte de Lévi-Straus, na França, na madrugada de domingo, 1.º de novembro, mas só agora anunciada em comunicado conjunto da Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales e de de seu editor, Plon.
Aqui, em Curitiba, a manchete da Gazeta do Povo estampava: MORRE AOS 100 ANOS LÉVI-STRAUSS, PAI DA ANTROPOLOGIA MODERNA; No Le Figaro: CLAUDE LÉVI-STRAUS EST MORT, para ficar somente com dois períodicos, um local e outro da terra do falecido, o grande criador da Antropolgia Estrutural.
Recentemente, Lévi-Strauss recebeu importantes homenagens do mundo inteiro pela passagem do seu centésimo aniversário, comemorado no dia 28 de novembro do ano passado. Portanto, há pouco menos de um ano.
O grande pensador francês é considerado o fundador da antropologia estrutural, principalmente por seus estudos sobre a língua, costumes e lendas de povos indígenas do Brasil. Aqui, ele permaneceu de 1935 a 1939, quatro anos fundamentais para seus estudos e para a apresentação de uma nova teoria antropológica ao final dos anos 40 e iníco dos anos 50. Com suas obras, principalmente As Estruturas Elementares do Parentesco, de 1949, e Tristes Trópicos, de 1955, tornou-se reconhecido e admirado mundialmente como cientista e pensador.
Foi professor honorário do Collège de France, no qual regeu a Cátedra de Antropologia Social de 1959 a 1982. Foi membro da Academia Francesa, o primeiro a atingir 100 anos de idade. É considerado um dos mais importantes intelectuais dos nossos tempos.
No Brasil, Lévi-Strauss esteve inicialmente como membro de uma grande missão francesa, que veio para a consolidação da recém-criada Universidade de São Paulo, a USP, de janeiro de 1934. Permsaneceu como professor na Instituição até 1938, quando abandonou o magistério para dedicar-se exclusivamente às suas pesquisas junto aos povos indígenas de Goiás, Mato Grosso e Paraná. Segundo ele, foram essas viagens que despertaram o seu grande interesse pela antropologia e pela pesquisa. Como resultado desses estudos, escreveu uma obra fundamental, Tristes Trópicos.
Inicialmente, por conhecer somente os indígenas do Norte do Paraná, na região do rio Tibagi, os Kaingang, pensou tratar-se de um povo não totalmente índios e nem verdadeiros selvagens. Só mais tarde com a incursão por terras dos Kadiweu, na divisa com o Paraguai e conhecimento dos Bororo do Mato Grosso é que conseguiu reunir os dados necessários para uma nova teoria antropológica. Foi com esses estudos que conseguiu prestar provas na França para o ingresso no magistério, pois não era formado em Antropologia.
Graças a essas pesquisas de 1936 é que conseguiu dinheiro e reconhecimento necessários para fazer nova expedição, esta em 1938, para estudar os índios Nambiqwara, de Mato Grosso. A missão também visitou os últimos homens e mulheres Tupi- Kaguahib, na região do rio Machado, considerados já desaparecidos.
Além do casal francês, Lévi e Diana Strauss, participaram dessa última expedição, o médico e etnólogo francês Jean Vellard e o antropólogo brasileiro Luís de Castro Faria. Este último revela os problemas que a missão enfrentou com os órgãos públicos brasileiros, porque contava com o patrocínio de Paul Rivet, um político ligado ao Partido Socialista Francês.
Denis Bertholet, um de seus biógrafos, assim descreve Claude Lévi-Strauss: “Philosophe de formation, ce pionnier du structuralisme qui arpentait le monde pour en étudier les mythes, ce précurseur dans le domaine de l'écologie qui écrivait admirablement, a oeuvré à la réhabilitation de la pensée primitive, avec parfois le regard d'un moraliste. A cheval entre philosophie et science (…), son oeuvre est indissociable d'une réflexion sur notre société et son fonctionnement. Il a une approche écologique du monde et des individus, avant la lettre” (Filósofo por formação, este pioneiro do estruturalismo que avaliava o mundo pela ótica dos mitos, este precursor no domínio da ecologia que escreveu admiravelmente uma obra de reabilitação do pensamento primitivo, com o olhar às vezes de um moralista. Colocada entre a a filosofia e a ciência (...)sua obra é indissociável de uma reflexão sobre nossa sociedade e seu funcionamento. ela apresenta um enfoque ecológico do mundo e dos indivíduos, antes mesmo de tal acontecer). Vê-se, assim, a importância do pensamento de Lévi-Strauss, classificado inclusive como um ambientalista antes mesmo de existir tal conceito e tanta preocupação com a natureza, como há em nossos dias.
De volta à França em 1939, com o surgimento da Segunda Grande Guerra, muda-se para os Estados Unidos e passa a lecionar em Nova Yorque. Em 1959, com o retorno à França, torna-se professor no Collège de França e se torna o primeiro antropólogo eleito para a Academia Francesa.
O grande mérito científico de Lévi-Strauss e a base de sua teoria foi ter aplicado ao conjunto dos fatos humanos de natureza simbólica um método, o método estruturalista. Com isso, ele passa a tratar do “pensamento selvagem” e não mais do “pensamento do selvagem”. Aparentemente apenas um jogo de palavras, mas em verdade uma total mudança no enfoque das pesquisas antropológicas. Sua obra O Pensamento Selvagem, de 1962, é o marco histórico dessa mudança. Catherine Clément, autora de um ensaio sobre o etnólogo, explica: “Quand il nous explique que la ‘pensée sauvage’ est en chacun de nous, il n'y a plus de distinction de fonctionnement mental entre les primitifs et nous. C'est une révolution intellectuelle considérable”. (Quando ele nos explica que o “pensamento selvagem” se encontra em cada um de nós, ele deixa de fazer a distinção do funcionamento mental entre os povos primitivos e nós. Isso é uma revolução intelectual considerável).
Lévi-Strauss costumava se definir como um “viajante, arqueólogo do espaço, que procurava em vão reconstituir o exotismo com o auxílio de fragmentos e de destroços”. Segundo seus contemporâneos, era um homem elegante, gentil, de olhar claro e penetrante, dotado de grande presença e marcado pela grande capacidade de escutar os outros. Como cientista dedicado a pesquisas, é autor de uma frase que se tornou célebre, pela verdade que encerra. Encontra em O Cru e o Cozido: “O sábio não é o homem que fornece as verdadeiras respostas. É o que faz as verdadeiras perguntas.” Sabe-se, hoje, que um estudo científico surge com base em um problema, sempre proposto em forma de questionamento pelo próprio pesquisador. Lévi-Strauss antecipou-se a nossos tempos em que as pesquisas se expandiram de forma exponencial.
CLAUDE LÉVI-STRAUSS E O ESTRUTURALISMO
Um grande pensador, considerado um gigante do pensamento moderno, Claude Lévi-Strauss é um verdadeiro mago do Estruturalismo. Essa corrente do pensamento científico iniciou-se na Lingüística com os estudos de Saussure (filósofo e lingüista suíço – 1857-1913) já no início do século XX. Teve vários desdobramentos até eclodir nos anos 60 no que se convencionou chamar de “Estruturalismo Francês”. Segundo a teoria estruturalista, por trás de toda a atividade humana, estão as “estruturas universais”. São elas que dão forma a culturas e às criações de todo tipo do ser humano. Assim, a linguagem, os mitos, as religiões, a poesia, tudo é resultado dessas “estruturas” e são próprias do gênero humano. O homem passa a ser identificado como “homo symbolicum”, de que nos fala Ernst Cassirer, e não mais o “homo erectus” dos primeiros antropólogos, nem mesmo o “homo sapiens”, de algumas outras teorias.
Como bom estruturalista, ele baseou seus estudos nas oposições binárias (na Linguística de Saussure, como exemplos, os conceitos significante e significado; forma e conteúdo.). Estudou oposições como: o cru e o cozido; o quente e o frio, o animal e o humano. Distinguia-se dos demais antropólogos pelo fato de que os outros buscavam revelar as diferenças entre povos e culturas, e ele buscava as estruturas universais, também chamadas “estruturas profundas”. Os seus estudos colaboraram mais para a igualdade de povos e culturas do que para as diferenças entre eles. Essas semelhanças, porém, encontravam-se naquilo que era essencial e não apenas externo, como viam os demais antropólogos. Um dos fundamentos do Estruturalismo é exatamente a oposição essência / aparência.
Em o Cru e o Cozido, Lévi-Strauss declarou haver orientado suas pesquisas etnográficas na direção da psicologia, da lógica e da filosofia (a essência). Ele não estava interessado nos propósitos a que serviam as práticas rituais de uma determinada sociedade (a aparência).
CLAUDE LÉVI-STRAUSS ESCRITOR
Em suas obras, o autor estudou principalmente a correlação do processo formador de mitos com o pensamento ocidental.
As principais são:
· As Estruturas Elementares do Parentesco (1949) - Marco fundador da antropologia estrutural. Lévi-Strauss repensa o problema universal da proibição do incesto.
· Tristes Trópicos (1955) – ­Espécie de autobiografia intelectual, a obra relata a vinda de Lévi-Strauss ao Brasil nos anos 1930.
· Antropologia Estrutural (1958) – ­Nesta coletânea, o autor apresenta paralelos estruturais entre as figuras do xamã e do psicanalista e lança as bases teóricas da mitologia.
· Mitológicas (1964-71) - Análise de cerca de 800 mitos ameríndios inspirado nos moldes da música.
· Via das Máscaras (1975) – Strauss retoma a questões fundamentais da estética e da história da arte.
· História de Lince (1991) - O autor investiga as fontes filosóficas e éticas do dualismo ameríndio com base nas lendas.
· Saudades do Brasil (1994) - Álbum fotográfico que remonta às raízes da aventura antropológica de Lévi­-Strauss e que traz imagens de São Paulo e do Centro-Oeste.
(Fonte: Folhapress)
Segundo seus estudiosos, os livros do cientista apresentam argumentos complexos expressos em uma linguagem metafórica, simbólica. Seus textos em nada lembram os escritos antropológicos anteriores a ele.
TEXTO DO LIVRO O PENSAMENTO SELVAGEM
A idéia de que o universo dos primitivos (ou que se supõe que o sejam) consiste principalmente em mensagem não é nova. Mas, até uma época recente, atribuía-se um valor negativo ao que, erradamente, se tomava por um caráter distintivo, como se esta diferença entre o universo dos primitivos e o nosso con­tivesse a explicação de sua inferioridade mental e tecnológica, quando ela os põe antes em pé de igualdade com os modernos teóricos da documentação. Era preciso que a ciência física descobrisse que um universo semântico possui todos os carac­teres de um objeto absoluto, para que se reconhecesse que. a maneira pela qual os primitivos conceptualizam seu mundo é, não apenas coerente, mas a mesma que se impõe em presença de um objeto cuja estrutura elementar oferece a imagem de uma complexidade descontínua.
De uma só vez achava-se superada a falsa antinomia entre mentalidade lógica e mentalidade pré-lógica. O pensamento selvagem é lógico, no mesmo sentido e da mesma forma que o nosso, mas como o é apenas o nosso quando se aplica ao conhecimento de um universo a que reconhece, simultaneamen­te, propriedades físicas e propriedades semânticas. Uma vez dissipado este mal-entendido, não é menos verdade que, con­trariamente à opinião de Lévy-Bruhl, este pensamento progri­de pelas vias do entendimento, não da afetividade; com o au­xílio de distinções e de oposições, não por confusão e parti­cipação. Se bem que o termo não tivesse ainda entrado em uso, numerosos textos de Durkheim e Mauss mostram que eles haviam compreendido que o pensamento dito primitivo era um pensamento quantificado
.

(p. 304-305).
LÉVI-STRAUSS NO BRASIL
No Brasil, além de professor e pesquisador da USP, Lévi-Strauss tornou-se Doutor Honoris Causa pela Universidade que muito aprendeu com ele. Como Acadêmico, desprezava a elite e valorizava os índios.
Ao mesmo tempo em que enaltecia um Brasil de que os próprios brasileiros se envergo­nhavam, Lévi-Strauss pode ser descrito como "carinhoso" ao falar de povos como os nambiquaras e os bororos. Foi duro, porém, e mesmo implacável às vezes, ao tratar da sociedade brasileira urbana, que considerava sempre à procura de status.
Lévi-Strauss se utilizava das lições aprendidas com grupos indígenas do cerrado (Goiás) e da floresta (Mato Grosso) - principalmente como relacio­nar natureza e cultura -, para a criação de um dos pensamentos mais in­fluentes da segunda metade do século 20. Enquanto isso, muitos brasileiros ainda olhavam esses mesmo índios co­mo um sinal de atraso a ser superado ou esquecido.
As suas lições só foram realmente aprendidas pelos antropólogos brasi­leiros entre os anos de 1950 e 1980. Portanto, depois de 10 e mais anos após o seu regresso à França. De certo modo, é compreensível, pois foi por essa época que seus livros saíram publicados.
Assim como Claude Lévi-Strauss aprendeu bastante com o Brasil, o Brasil também aprendeu muito com Claude Lévi-Straus. Resta, porém, muito ainda a aprender com esse sábio ligado ao nosso país.