quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

TANINHA NASCIMENTO – PROSA E POESIA

Taninha Nascimento é pseudônimo de uma jovem professora do Rio de Janeiro. É Graduada em Letras e exerce o magistério em Escola do Rio de Janeiro. É também Coordenadora Pedagógica.
Como profissional do ensino, Taninha é pessoa altamente comprometida com a educação de crianças e jovens. O texto em prosa de sua autoria demonstra o seu engajamento na missão de ensinar.
Como artista, é poeta de elevada sensibilidade. Dois poemas justificam o lirismo de sua poesia.
Abre-se à sua frente um longo caminho. Ao percorrê-lo, irá construindo a sua vida e saberá imprimir, nessa trajetória, marcas de educadora e de poeta.
Mantém os Blogs
www.norastrodaeducacao.blogspot.com e www.norastrodapoesia.blogspot.com

O HINO NACIONAL BRASILEIRO
Sempre às segundas-feiras – em minha escola – cantamos o Hino Nacional Brasileiro. Eu, que sou “um tanto quanto” emotiva, me emociono – sempre. Mas, hoje... Hoje foi diferente.
Nós estávamos formados no pátio aberto da escola, que é paralela à Avenida Brasil. Enquanto cantávamos, meu olhar saiu da forma das crianças – onde sempre procuro perceber quem canta de fato; ou quem não tem postura; ou quem conversa..., enfim... – e, se perdeu na via... Era perto de sete e trinta da manhã. Os ônibus indo e vindo – lotados.Por instantes, me veio uma agradável sensação meio de orgulho e força; meio de dever se cumprindo e, também, de temor.Esse patriotismo - tão intenso - a que o Hino Nacional nos remete, é desafiador: “... Mas se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta...”. Esta estrofe é a minha preferida. Eu, inclusive, sinto que a minha postura fica mais ereta.
Pois é... As crianças, os professores, os pais. Todos cantando o Hino Nacional Brasileiro, enquanto o que cantamos é – verdadeiramente – vivido e, lindamente, ilustrado pela Avenida Brasil, cedinho, logo pela manhã.
“... Se o penhor dessa igualdade conseguimos conquistar com braço forte...”. Ah... Brasil de braços fortes...
“... Dos filhos deste solo és mãe gentil...”. Novamente uma gostosa sensação. Agora, de acolhimento..., segurança...
Ah... Brasil...

Taninha é daquelas professoras verdadeiras, daquelas que se emocionam com o Hino Nacional, porque leva sua profissão de educar a sério. Ela vive a emoção que o Hino desperta nela. Como símbolo, ele representa a própria Pátria, em que ela vive e que ela ama. Por ela, Taninha aceita o desafio de dedicar-se ao magistério. Nada mais nobre, mas nada mais trabalhoso, difícil, num país que nem sempre dedica à educação o que poderia e deveria dedicar.
Para educar, é necessário saber se emocionar, saber ver a realidade como um complemento da vida vivida. É o patriotismo, é o amor ao nosso país, “mãe gentil”, que ela ensina.
Ela ensina com a autoridade de quem “não foge à luta”.

INIMAGINÁVEL ESPERANÇA

Eu suspiro na calma do desespero,
no frescor das lavas
e nas guerras de bandeiras brancas.

Quando o sol nasce a oeste
e o passado pôde ser previsto
e as estrelas ressuscitadas,

o silêncio me indaga
gritando aos quatro ventos:-
Você pode escutar?

Há calor no iceberg de jade.
Alegria nas piores dores
e nos infelizes.

O absurdo toma forma;
contorna, adorna e colore
as mais absolutas impossibilidades.

E - neste momento -
todos os meus ais de lamento
dão lugar a inimaginável esperança.

Quantos paradoxos poéticos já na primeira estrofe! E eles se sucedem e percorrem todo o poema! Apesar de tantas “absolutas impossibilidades”, a poeta vislumbra uma “inimaginável esperança”.
Num eterno digladiar-se, os contrários se enfrentam no poema: desespero x calma; lavas x frescor; guerras x bandeiras brancas; gritos x silêncio; iceberg x calor; dores x alegria; impossibilidades x possibilidades. Só assim os “ais de lamento” poderiam dar lugar a uma “esperança”, por inimaginável que fosse. Mas ela é real, porque ela existe.

PALAVRAS E OLHARES
Perdida em palavras e olhares
Minhas vistas vagam sem saberVagam sem saber o final da estrada do querer...
Do querer e não poder.
Perdida em palavras e olhares.

A tristeza, sorrateira, comemora o fim da alegria
Onde quem feliz me faziaEm breve, já não estaria.
Perdida em palavras e olharesEu te digo, não sabia...
Não sabia que o amor compareceria.

E... Sem cerimônias, ficaria. Perdida em palavras e olhares
A tristeza vitoriosa já sorria (e eu nem via)
Sorria com tamanha crueldade... Sabendo
Sabendo que, em meu coração (perplexo) repousaria.

A matéria do poeta lírico é o amor. Nisso são quase unânimes críticos e teóricos da literatura. E quando se fala em amor como matéria do poema, fala-se também da ausência do amor, ou da fuga do amor.
A fugacidade é outra característica da poesia lírica. O momento lírico é, por natureza, fugaz. Ele vem e se dissolve na atmosfera dos sentimentos.
Dessa forma, o sentimento, a alma, a “disposição anímica”, retrata-se no poema, porque é o poeta vivendo a emoção da sua poesia, momento mágico.
Portanto, poesia é emoção, é o eu do artista refletido no poema. Poeta e poesia se confundem e convivem entre acertos e desacertos, por serem ambos paradoxais. O poeta alimenta e, ao mesmo tempo, repele o amor e a tristeza que o amor causa, assim como a poesia reflete tanto o amor ou a tristeza de uma perda.
É o destino do poeta, é o destino de quem ama.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

CRISTIANE RODRIGUES DE SOUZA

A poeta Cristiane, que vive em Ribeirão Preto, é nascida em Adamantina, também no estado de São Paulo. Cresceu na pequena Irapuru, outra cidade paulista. Bastante jovem, é mestre em Letras pela UNESP de Araraquara e atualmente doutoranda pela USP. Com formação também em música tem estudado a poesia de Mário de Andrade em relação com a crítica de música desse autor.
Em seu livro Clã do jabuti: uma partitura de palavras. (São Paulo: Annablume, 2006), Cristiane faz, segundo comentário contido na própria obra, “Uma análise crítica da obra poética de Mário de Andrade, focalizando o livro Clã do Jabuti (1927), em que se evidencia a discussão de conceitos musicais em meio à escrita dos versos, demonstrando a construção de um projeto de escrita poética que, embora se arme em muitas faces, encontra na musicalidade a síntese maior”.
Em parecer sobre o estudo da jovem autora, diz a professora e crítica literária, também estudiosa de Mário de Andrade, Laura Beatriz Fonseca de Almeida: “O livro de Cristiane Rodrigues de Souza - Clã do Jabuti: uma partitura de palavras - é uma contribuição valiosa para os estudos críticos da obra poética de Mário de Andrade. As faces plurais do sujeito poético instigaram a leitora sensível a uma pesquisa analítica dos versos do poeta com objetivo maior de apreender a voz musical e folclórica do sujeito lírico, síntese da pluralidade das vozes que ressoa na voz moderna do sujeito lírico marioandradino”.
Eu tive a felicidade de a conhecer, apresentada por minha filha Raquel, na Universidade da Madeira, em Funchal. Nós três apresentamos trabalhos no IX Congresso Internacional de Lusitanistas, em agosto de 2008. Por essa breve convivência e grande admiração, não resisti a fazer comentário sobre cada poema. Os poemas devem ser lidos. Os comentários são dispensáveis.
Agora, a voz poética de Cristiane Rodrigues de Souza:

POEMA
Estas minhas asas leves, o respirar curto.
O Sol claro claro em meus olhos
e a música inconstante escondida...

É que vim de Irapuru, minha Itabira.


As“asas leves” e o “respirar curto” anunciam a leveza e a brevidade do texto. Mas há nele espaço suficiente para o Sol, para muita claridade e para uma música que sempre se esconde em sua variável forma de aparecer. É o modo de ser de alguém que deseja buscar no passado de uma cidadezinha a complexidade da poesia de um retrato na parede, a sua Itabira. É o existencial que está em Drummond e está também em Cristiane Rodrigues de Souza.

NA MORADA DO SUBLIME
No pico mais alto da Madeira,
falei com pedras pálidas e com florezinhas rasteiras amarelas.
Olhei o vento e o seu verde esmaecido,
fiquei sem ar no meio do ar livre do Atlântico
e me comovi com a queda perpétua dos abismos desejosos do alto.

No silêncio amplo dos precipícios infindáveis do pico mais alto da Madeira,
ouvi a música surda feita de notas nascidas nos infernos de seus fundos.
E sobrevivi.
Agora pago a pena eterna por ter fitado os olhos incandescentes do Sublime
e ter ouvido o seu recado indecifrável,
sem nunca nunca ser capaz de redizê-lo.

Mas no pico mais alto da Madeira,
respondi à música dos Infindáveis
com meu recado também surdo também inconcebível.
E o Sublime está lá até agora nos seus socavões tentando decifrá-lo.
Porque ele também sobreviveu aos meus olhos.

Os poemas começam pelo título. Este é um exemplo claro. É só observar a ambigüidade expressa em “na morada do sublime”: o Sublime que habita os vales profundos da Madeira (“E o Sublime está lá até agora nos seus socavões...”); o enamoramento de alguém pelo Sublime (“Agora pago a pena eterna por ter fitado os olhos incandescentes do Sublime”).
O poema ilustra bem a poesia de tendência metafísica. Lembra bastante os poemas de Teixeira de Pascoais em suas alusões aos altos picos do Marão. E a presença da música eleva mais o sentido de transcendentalidade.
O discurso poético da autora dialoga em conversa muda e, portanto, insondável, inaudível, com o Sublime. Como num ato de vingança por não ter decifrado a mensagem do Sublime vindo dos grotões, ela, do pico mais alto, desafia o Sublime lá nas lapas profundas a decifrarem o seu recado também insondável. É considerável que a poetisa se alteie frente ao Sublime, porque ela se coloca mais alta e, portanto, mais importante. Ela é criadora de poesia.

PRECE À ÁRVORE DO DRAGOEIRO
(Para Raquel Illescas Bueno)

eu pedi aquela flor
eu pedi eu pedi
aquela flor!

como quem dá comida a pássaros
a árvore desprendeu-se dela
e ma ofertou

deu-me a flor como quem faz poesia sem querer:
um movimento de alma trepidou de leve seu tronco
e desgalhou lirismo sobre as visitantes

sorri de volta e passei
como antes tantos outros milhares pousados no minuto de sua sombra

A árvore existe de verdade no pátio do Restaurante O Dragoeiro, que mira o mar em frente e os edifícios ao alto, na cidade de Funchal. A Raquel também existe e é sua colega de USP e de viagem à Ilha da Madeira. Só o que não existia ainda era o poema de Cristiane. Agora tudo se completa. Duas jovens, uma flor, o sotaque e o estilo lusitanos da árvore que, para a poetisa “ma ofertou” a flor. Uma flor, puro lirismo, e que é autêntica poesia.
A transitoriedade daquele encontro é imposta pelo convívio efêmero, porque nós passamos por tantos e são tantos que passam por nós. Só a poesia permanece.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

FABRÍCIO CORSALETTI

Vive em Ribeirão Preto / SP uma poetisa e doutoranda em Letras pela USP, Cristiane Rodrigues de Souza. Foi ela quem enviou este texto seu com análise da poesia de um conterrâneo (ambos paulistas) e contemporâneo , Fabrício Corsaletti.
Cristiane, dona de um apurado aparato crítico, consegue penetrar as nuances dos poemas de Corsaletti. Com essa análise lúcida fica fácil fruir as imagens que o poeta instala em seus poemas.

Vamos ao texto de Cristiane Rodrigues de Souza:

"O poeta Fabrício Corsaletti lançou seu primeiro livro de poemas, Movediço, em 2001, com prefácio do crítico, poeta e professor de Literatura da USP, Alcides Villaça (Movediço foi relançado pela Companhia das Letras, ao lado de outros livros de Corsaletti, no livro Estudos para seu corpo). A vida na cidade do interior de São Paulo, Santo Anastácio, abandonada por Fabrício ao seguir rumo à capital para cursar Letras, é tema de seu livro de poemas, assim como o amor e o erotismo, invocados sempre por meio de uma linguagem precisa, que tira da fala coloquial e da experiência cotidiana o corte certeiro do ritmo que, ao lado de imagens marcantes, constrói a poesia.
O poema de abertura de Movediço fala das impressões do poeta na metrópole que, apesar de se abrir a ele, às vezes, como manhã de maio, não possui, como a cidade da infância, o cheiro fértil dos quintais cobertos por caquis podres e a terra revolvida por minhocas e caramujos, na qual se forjou a voz poética que, no final do livro, se anuncia “antig[a] e/ movediç[a]/ como o mangue” – fértil, perene, mas sempre em mutação.

Acontecia às vezes
da cidade
se abrir como manhã de maio
na minha frente hoje
entanto há nem
vento solução
de nuvem manga
mordida no úmido quintal
onde minhocas caramujos caquis podres

MOVEDIÇO
sou antigo e
movediço
como o mangue

não sei
como não enlouqueci
aos 16

ainda tenho forças
pra destruir este quarto
este corpo os postes
da rua –

mas não posso
morrer não posso
não assim
maravilhado

A última estrofe de “Movediço”, ao retomar os versos de Ferreira Gullar – “Não quero morrer não quero/ apodrecer no poema” (GULLAR, F. “Arte poética”. In: Melhores poemas. Seleção e apresentação de Alfredo Bosi. São Paulo: Global, 2000, p 146) – instaurando, no entanto, um novo ritmo, por meio da divisão singular dos versos, e novos significados, ao mudar o verbo “querer” para “poder”, finaliza o poema que dá título ao livro, falando do maravilhamento dos olhos do poeta ao contemplar a vida, estado que o impulsiona para a criação poética marcada pela experiência viva, evitando, como Gullar, “que o cadáver de [suas] tardes/ [...] venha feder [na] manhã feliz” do leitor dos poemas.
O estado de maravilhamento marca um outro texto de Movediço, “Céu Azul”.

CÉU AZUL
O céu azul é o poético sem mediação
olho e céu se entendem
você fica do lado de fora
pensando nos seus problemas
de homem moderno comum
até que pede licença
e sai de fininho
com seu olho orgulhoso
que sabe
(você sabe)
mais que você

João Luiz Lafetá, citando comentários de Bachelar sobre as imagens derivadas do “céu azul”, nos lembra que, “no espelho sem moldura [do azul] [...] o mundo imaginado é posto antes do mundo representado, em que o conhecimento poético precede o conhecimento racional”. (LAFETÁ, J. L. Figuração da intimidade. São Paulo: Martins Fontes, 1986, p 166).
Os pensamentos racionais do homem moderno, não passíveis de apreender o poético – ou a Vontade que, de acordo com Schopenhauer, mora atrás dos fenômenos – são colocados, no poema de Fabrício, em oposição à contemplação maravilhada que consegue apreender o que existe por trás da representação do mundo.
A arte repete em suas obras as Idéias apreendidas por pura contemplação, o essencial e permanente de todos os fenômenos do mundo [...]. Sua única origem é o conhecimento da Idéia; seu único fim, a comunicação desse conhecimento [...]. A arte [...] retira o objeto de sua contemplação da torrente do curso do mundo e o isola diante de si; e esse particular, que era na torrente fugidia uma parte ínfima a desaparecer, torna-se um representante do todo (SCHOPENHAUER, A. Metafísica do Belo. Trad. Apres. e notas de Jair Barbosa. São Paulo: Editora UNESP, 2003, p 59).
Corsaletti, ao apontar a experiência de ver o poético como ato passível de ser realizado pelo leitor – “você” –, coloca a apreensão da poesia ao alcance de todos. Transformar essa intuição do poético em arte, no entanto, exige o trabalho posterior do poeta".